domingo, outubro 30, 2005

escultura em vila verde

Dei nota, nesta humilde publicação, há uns dois meses atrás, de uma obra do escultor João Sotero – de quem sou um confesso admirador – que ficava a residir numa das rotundas de Vila Verde, a da Escola.
A peça foi inaugurada na semana passada e, infelizmente, não pude estar lá. Mas, hélas, tenho uma foto – esta – para vos mostrar e, a partir dela, para vos convidar a ir vê-la in loco. A peça é construída em Aço Corten, tem doze metros de altura e representa, nas palavras do escultor, (e muito resumidamente), «os Elos entre o Futuro e a Tradição, traduzido nas linhas dinâmicas das chapas projectadas com os recortes dos símbolos poéticos encontrados na iconografia popular da região».
Acrescento (com oportuno orgulho bairrista) que foi construída nos estaleiros navais da Figueira da Foz.

sexta-feira, outubro 28, 2005

Notas de Viagem IX

É caro dormir em Roma. E fumar.
Resultado da lei da oferta e da procura, qualquer hotel na capital italiana custa os olhos da cara. Há muitos, é certo – porque há muitos turistas - mas quase todos caros. Talvez que, se se marcar dormida com antecedência, se consiga alguma coisa mais em conta.
Porque a procura é muita - talvez até exceda a oferta, não sei - os hotéis não precisam de procurar muito os seus clientes, nem têm de se preocupar com estratégias de sedução. Apenas existem, apetece pensar, sobretudo depois de se experimentar aquele em que fiquei(amos) durante os primeiros dias. Generalizando: usam a política do «deixós poisar». Concluem que, quando pousarmos, havemos de ter sono e procurar onde dormir. É também por isso que nos fazem andar por ali, (não os hotéis, pois, mas os diferentes guias turísticos), calcorreando quilómetros, atrás de um passado que nos espreita a cada esquina. Por momentos, somos iguais ao irrequieto cão que caíu de tonto, depois de tanto voltear sobre si próprio, qual pião com vida e vontade, no afã de mordiscar a própria cauda.
Fumar é igualmente complicado. O tabaco é mais caro, pois!, mas o problema maior que afecta os viciados, é a falta de zonas para matar a traça. É que é proibido fumar em quase todo o lado. E nos avisos de proibição (vietato fumare) consta, em caso de dúvida, os montantes das coimas. Ou seja, fumar em locais proibidos, que são quase todos os possíveis em espaços interiores, pode custar entre cinco e cinquenta e cinco contos, mais coisa menos coisa, isto pensando ainda em escudos (nunca mais aprendo a falar em euro).
Em desespero de causa, tamanha é a perseguição dos cartazes, fica sempre a possibilidade, claro, de alugar um quarto num qualquer hotel, e fumar um cigarrito, com vistas para as ruínas.
Enfim, estratégias.

atchim 3

O vírus está de volta.
Esteve muito em voga e foi, pode dizer-se, letal, durante uma série de anos. Mais de dez. Os portugueses descobriram uma vacina para o combater, e o vírus foi erradicado. Ainda tentou uma transformação repentina, uma espécie de retirada temporária, mas as defesas do nosso organismo ainda estavam vigilantes e expulsaram-no, ou nem chegaram sequer a deixá-lo penetrar no organismo, quando tentou regressar, fazendo outro caminho. Foi graças à utilização de uma outra vacina, que estava a ser preparada pacientemente, que quase foi erradicado. Pensava-se mesmo, que o vírus fora banido, para sempre, do sistema celular. Contudo, pouco a pouco, o vírus foi dando sinal de vitalidade: uma tosse aqui, um pigarro acolá… O que é facto, é que o vírus sofreu uma tremenda mutação que o torna agora muito mais ameaçador que antes, e agora torna a ameaçar-nos, mais mortal que nunca, mesmo que os velhos sintomas permaneçam. Propagou-se rapidamente, ainda a sua presença oficial não era notada. Parece o mesmo vírus, mas já não é o vírus de antigamente. Agora sabe como se mascarar, como enganar o organismo, como agir. Sabe, por exemplo, que o antibiótico existente no mercado farmacêutico não atrapalha a sua escalada. Sabe que o problema principal do organismo português, está em que as vacinas que se preparam para o combate, não dão garantias de eficácia. Ou porque parece estarem fora de prazo, ou porque são praticamente inócuas. As centrais farmacêuticas lutam entre si para garantir a ambicionada quota de mercado e enquanto isso o vírus propaga-se. O vírus passeia-se por aí. À grande e à algarvia.
A saúde pública volta a estar em risco.

(nota: este texto é absolutamente ficcionado. Qualquer semelhança com a realidade política portuguesa é pura coincidência.)

quinta-feira, outubro 27, 2005

atchim 2

Há uns dois ou três dias, no regresso a Braga, entrei num comboio na estação de S. Bento, no Porto, e nisto, toca o meu telefone. Atendi e era uma velha amiga que me contactava a propósito de uma série de iniciativas sindicais – com o governo que temos, o tempo está mais para estas coisas – que vão decorrer nos dias mais próximos. Como o som que lhe chegava lhe parecesse estranho, perguntou-me o que é que eu tinha. Disse-lhe que estava no comboio, e que assim e que assado, e ela disse-me que era a minha voz que estava estranha. E disparou: estás doente? Disse-lhe que sim, que estava, mas só um bocadinho, quase nada. O comboio, que entretanto já partira, parou em Campanhã, creio, e encheu-se ainda mais de pessoas. Já não havia espaço para mais ninguém. Com a inundação humana segurei-me conforme pude a um varão central (parecia uma bailarina exótica numa casa de alterne qualquer, eu e o varão, os dois em perfeita sintonia), aguentei o tsunami humano, e expliquei-lhe que estava um pouco engripado. Sem pensar, disse-lhe – para ter graça – que devia estar com a gripe das aves. Num ápice fez-se uma clareira à minha volta. Dezenas de pares de olhos viraram-se na minha direcção e eu acreditei, por momentos, que podia ser expulso da carruagem, antes mesmo dele parar em Contumil. Dei graças a Deus por as janelas não abrirem como as janelas de antigamente e resolvi desanuviar o ambiente. Que devia ter apanhado a gripe por dormir com um edredão de penas infectado, quase berrei para que não sobrassem dúvidas de que estava na galhofa, e que é preciso ter cuidado com as almofadas e com os kispos cujo enchimento é feito com esse material, penas, e que assim e que assado. A calma parece ter voltado a instalar-se, ou então foi porque chegámos a Rio Tinto e a seguir a Ermesinde, e nestas estações, o comboio, normalmente, fica a meia lotação, se não a menos.
Conclusão:
Com o pânico que se está a instalar, o melhor mesmo, é termos cuidado com o que dizemos, mesmo que queiramos ter graça, que o tempo não está para brincadeiras.

atchim 1

Morreu um papagaio na Inglaterra e a toda a Europa treme.
Morreram 14 patos na Suécia, e aqui d’el rei.
Ok, um dos patos estava infectado com a malfadada gripe das aves, e o papagaio era possuidor do maldito vírus no estádio preciso em que, parece, a doença pode ser passada aos humanos. Mas a paranóia dos media relativamente à hipótese de catástrofe humana, (pandemia, como lhe chamam, com tanto de pandemónio como de epidemia... Como se não bastasse o prefixo para lhe dar ares de coisa à escala global…), é de bradar aos céus. Com tanto alarido, se não morrermos da doença, morreremos certamente do pânico de algum dia nos podermos vir a confrontar com ela. Até a água Vitória, a mascote do Benfica, já fez análises. Felizmente para a nação benfiquista, a ave está bem, de boa saúde e recomenda-se.
Por acaso, seria pedir demais aos senhores jornalistas, que falassem um pouco mais dos poderosos passarões que nos governam, que dos patos que estão engripados?

eleições

“O Público” informava que a BBC tinha aberto uma urna virtual para a eleição do governo ideal. Com a participação de mais de 15000 eleitores o mais votado, consequentemente o chefe desse governo, foi Nelson Mandela. Deo Gracias!
Não sei é como um governo formado por personalidades tão díspares como, Noam Chomsky, Kofi Annan, Bill Gates e Richard Branson (Virgen) poderia governar. Mas como estamos no mundo virtual, tudo bem.
O que vim agora a saber (La aventura de la historia nº 83) é que a BBC já havia feito o mesmo para eleger o filósofo mais importante da história. Após “uma campanha eleitoral”, com o the Economist a apoiar Ludwig Wittgenstein e o the Guardien a torcer por Kant, 28% dos mais de 30000 eleitores deram a vitória folgada a …………….Karl Marx. Em 2º lugar, com 12,7% ficou David Hume.
Ou a filosofia não tem interesse jornalístico, ou o problema esteve no resultado. De qualquer forma, isto não o soube pelos nossos meios de comunicação.
Melhor será concluir, que a diferença entre liberdade de imprensa e imprensa livre é abissal até nestas pequenas coisas.

quarta-feira, outubro 26, 2005

Alerta

Caro António: agora já tens base legal para exigir a restituição das pilas.

Diversidade cultural

Nem tudo é mau nos dias que correm. Aguardava-se com espectativa o resultado da batalha politica que opunha ,na UNESCO, os defensores da diversidade cultural ( o direito de cada estado a formular e aplicar as suas políticas culturais e de adoptar medidas para a sua protecção) aos paladinos da mercantilização da cultura. No primeiro grupo acantonava-se quase todo o mundo; no segundo, os Estados Unidos e os seus satélites com o apoio activo de organizações antidemocráticas como a O.M.C.
Quase por unanimidade - parece que só os EE.UU. e Israel votaram contra - a convenção sobre a Diversidade Cultural foi aprovada na 33ª Assembleia Geral da Unesco reunida a 21 de Outubro último.Como referiu um dos relactores da declaração, o françês Jean Musittil, "pela primeira vez, a comunidade internacional manifesta de forma clara a sua vontade de põr limites à liberalização desenfreada."
Claro que nem tudo são rosas. A representante do maior exportador de bens curturais, a inefável Condoleezza, não deixou de lançar algumas ameaças contra esta deriva proteccionista. Por outro lado não deixa de ser uma vitória coxa. Primeiro porque, ao contrário do que se tinha como aceite na década de 70, o direito à diversidade de informação e dos meios de comunicação social não foram incluídos na convenção (não é por acaso que o assunto foi esquecido pelos nossos media). Em segundo ,porque é de prever que o peso político e financeiro da Unesco seja insuficiente para alterar a estratégia concreta dos governos nacionais.

domingo, outubro 23, 2005

Sindicato de Poesia ataca na Velha outra vez...


Esta quinta feira, dia 27 de Outubro, pelas 19 horas, na Velha-a-Branca/Estaleiro Cultural, o Sindicato de Poesia coloca de lado a palavra poética, e faz vingar a ideia de contar um conto. Ou melhor, oito contos. São histórias do quotidiano; de amor e ódio; algumas perversas, outras nem tanto; umas de traição e outras de vingança; mas também as há de carinho. Contos para adultos, onde se permite a entrada de crianças (desde que acompanhadas pelos pais ou outros adultos em sua representação).
«Vitória, vitória.... acabou-se a história» é o título desta sessão, integrada no projecto o "O Sindicato Convoca", que se realiza nas últimas quintas-feiras de cada mês, na Velha-a-Branca. Sem acrescentar um ponto, os contadores presentes (Ana Gabriela Macedo, Luís Barroso, Manuela Martinez, Sofia Saldanha e Vânia Ribeiro) dirão contos de Dylan Thomas, Adélia Prado, Ondjaki, Maria Velho da Costa, Herberto Helder e Ana Hatherly, numa espécie de mise en scène de António Durães.

foto de Pedro Guimarães

Notas de Viagem VIII


A Fontana di Trevi é, talvez, um dos locais mais visitados de Roma. Claro que há o cinema a dar-lhe charme; claro que há a majestade da fonte; claro que há as tantas razões para que os passos dos turistas acabem por desenhar o caminho daquela água.
Na Fontana di Trevi, não são apenas as águas agitadas que caem no alto do conjunto escultórico; são igualmente os euros e as tantas outras moedas, que levam à boleia de si, os segredos que não podem ser revelados, dos desejos que, secretamente, se desejam, antes que o braço repita o caminho celebrizado por David.
Por uma espécie de labirinto férreo que desenha no chão da praça, um caminho de sentido único para todos os que querem aproximar-se das águas, a Fontana oferece-se como alvo e, diz-se, distribui todas as noites a sua riqueza por quem necessita dela, ou seja, por instituições de solidariedade. Não sei se é vero. Parece que as águas, durante o ciclo das vinte e quatro horas, apenas param de jorrar durante sessenta minutos, de noite, momento para recolher o cacau e limpar a área.
Quando lá fui, uma velha senhora nipónica, com menos poder de locomoção, resolveu, de muito longe (ainda o caminho da água começava a desenhar-se na pequena praça), arremessar a moedinha da praxe com toda a força que tinha. Apesar do investimento muscular feito e da pouca distância a vencer, o gesto acabaria por revelar-se insuficiente. A moeda percorreu com dificuldade uns poucos de metros pelo ar, cai não cai, mas lá se foi aguentando, até que, sem mais propulsão, desfaleceu sem retorno, embatendo na cabeça de uma outra senhora (japonesa ou coisa assim… o difícil era não acertar num turista com essa proveniência), que ficou a esfregar o local de embate, sem saber o que lhe tinha acontecido.
Das duas uma, deverá ter pensado: ou o desejo pensado é coisa que não se realizará; ou coisas daquelas não se desejam. E se assim foi, corou. Mas isso, eu já não vi.

sábado, outubro 22, 2005

Notas de Viagem VII

Perto de S. Bento, comprei um cartucho de doze castanhas, daqueles cartuchos feitos em papel de jornal, e paguei um euro e meio. Nada más, as castanhas. Foram as primeiras deste ano, pensando que o ano das castanhas começou por estes dias. Já as podia ter comido antes. Em Roma, por exemplo. Perto da Fontana di Trevi, um senhor vendia castanhas assadas. Bonitas. Grandes. Um outro negociava chapéus de chuva. Pequenos. Frágeis. Daqueles que se adivinham destruídos com um leve sopro de vento. Castanhas e chapéus de chuva era a combinação que estava a dar em Roma, perto da Fontana mais conhecida da cidade. Os chapéus de chuva custavam cinco euros; as castanhas custavam três euros cada cem gramas. Caras? Então o senhor propôs um preço mais em conta: oito euros por cada trezentos gramas.
Claro: fiquei com o apetite das castanhas, mas sem o gosto delas.
Quem quer quentes e boas?

quinta-feira, outubro 20, 2005

Notas de Viagem VI

Para onde foram as dezenas, centenas de pilas, arrancadas à força de martelo, da estatuária exposta em Roma?
Uma visita, por muito rápida, ao Capitólio (ao Musei Capitolini, talvez seja melhor escrevê-lo assim; ou à «máquina de escrever» como o vulgo decidiu chamar-lhe, epíteto por que ainda hoje responde), denuncia a barbárie. De entre as centenas de peças patentes nas várias salas, poucas são as que, representando o género masculino, lograram salvar o símbolo da sua masculinidade. Talvez que Roma, em algum momento, tenha conhecido época mais tacanha, obscurantista, e tenham, então, vingado, como se fora palavra de ordem, as «decapitações» selváticas, cujos momentos cruciais ainda hoje se adivinham, até nos golpes vesgos que falharam o alvo por muito pouco, arrancando outros pedaços de pele pétrea. Em muitos casos, a barbárie conheceu gestos ainda mais disformes de brutalidade, que dispensaram a cirurgia do cinzel, afirmando-se apenas na fúria poderosa da maceta. A época, ou o gesto, ou o que quer que seja, testemunha-se não apenas lá, mas em muitos outros lugares, onde se preserva essa memória, na carne viva das estátuas que, ainda hoje, nos gritam esses horrores eunucos perante os olhos.

quarta-feira, outubro 19, 2005

as tascas e a casa da corda

Uma peça televisiva recente, inclusa num noticiário, alertava para o facto de estarem em vias de desaparecimento um conjunto de pequenos estabelecimentos comerciais, as chamadas tascas, fruto da proliferação massiva dos cafés - espaços de mobiliário repetido, tipo restaurante chinês, rápidos de construir e mais politicamente correctos. Outros pequenos estabelecimentos, sabe-se, estão igualmente em vias de desaparecimento, desde o chamado comércio tradicional, até outras pequenas estruturas que têm, objectivamente, os dias contados.
A peça jornalística falava, porém, de uma associação recém-criada que tem como objecto da sua existência, a defesa dessas pequenas estruturas, a preservação da sua específica decoração, os petiscos e os vinhos que normalmente apresentam para degustar, e a publicidade característica a práticas comerciais, verdadeiras obras de arte popular, desde os cartazes que anunciam não se praticar fiado naquele estabelecimento (queres fiado? toma!), até a promoção de alguns produtos que normalmente encimavam o balcão corrido de cada uma delas. Para lá disso, há ainda as formas variadas de exposição de literatura de cordel, por exemplo, o calendário da menina despida em lugar de destaque, a disposição das pipas, o ramo de loureiro por cima da porta de entrada, os enchidos, etc.
A existência desta associação parece-me uma bela ideia, se ainda se for a tempo de salvar alguma coisa. Os estabelecimentos que existem, creio, sobrevivem especialmente graças à incapacidade dos proprietários para fazer deles algo mais do que são, ou porque são gente envelhecida ou porque não saberiam fazer nada mais para além do que sempre fizeram a vida toda. Estes são, muitas vezes, lugares de refúgio, quer de clientes, quer de patrões.

O que eu não sabia, e fiquei a sabê-lo graças a essa associação, é que uma das tradições agregadas a este movimento de tascas (no tempo em que se dizia que o vinha dava de comer a não sei quantos milhões de portugueses…), era a existência da casa da corda, uma sala ao lado da tasca, onde pontificava uma corda bamba presa de parede a parede, sob a qual se estendiam um ou mais bancos corridos. Quando se cansavam do convívio na tasca ou taverna (é curioso como pode escrever-se quer com «v» ou com «b»), os clientes sentavam-se nos bancos e passavam os braços por cima da corda, junto aos sovacos, digamos, e assim, mais ou menos pendurados, dormitavam um pouco, até que o cansaço passasse. Podia não ser confortável mas, pelo menos, tinham a garantia de que não caíam.
Para mim, esta história, como a moeda, tem duas faces.
Cara: as tascas, ainda que escasseando, lá se vão aguentando; a casa da corda é que não.
Coroa: mesmo com o declínio das tavernas, a casa da corda permanece mais presente que nunca. Estamos todos pendurados há não sei quantos anos, há espera do descanso que nunca mais chega. O grande perigo, como me lembrava esta manhã um dos amigos dos domingos matinais, é que, com o tempo, fomos deixando o corpo escorregar pela corda abaixo e, agora, o barbante já não nos segura pelos sovacos, mas sim pelo pescoço. Receio que, aproveitando a corda cada vez mais bamba, possa apetecer ao poder, num golpe de capricho, dar uma volta completa ao cordel. Ficávamos mais seguros, pois, mas estrangulados no sisal.

terça-feira, outubro 18, 2005

Notas de Viagem V (b)

(continuação)
De curioso, o facto de, em tempos, um Papa ter feito parte daquela estrutura familiar. Trata-se de Giovanni Batistta, conhecido nos meios religiosos e políticos por Papa Innocenzo X, de quem consta, aliás, um fabuloso retrato realizado pelo pintor espanhol Velásquez, e um busto moldado pela geniais mãos de Bernini. Mas estas são apenas algumas das valiosas jóias desta colecção. Poderia nomear, à laia de exemplo, uns quantos Caravaggios, entre as obras que constam, igualmente, do espólio.
Acontece que a irmã deste Papa, uma senhora chamada Olímpia Maidalchini, (ab)usou do facto de ser irmã do Papa, para multiplicar muitas vezes, a fortuna familiar já de si fabulosa. O escândalo parece ter sido tanto que o próprio Papa acabaria por bani-la da sua intimidade, ainda que, perto da morte, a tornasse a receber, de modo a que a fortuna papal não caísse em saco roto.
A voz auricolada do descendente desta senhora, a dado passo da visita, lembraria – com romana graça - que, apesar do reconhecido despotismo da dama, afortunadamente, como disse, era graças a ela que a sua família vivia tão bem, ainda hoje.

Notas de Viagem V (a)

A Galleria Doria Pamphilj fica praticamente no centro de Roma. Próximo da Piazza Venezia, mas com entrada por uma praça interior, a Piazza Collegio Romano, a Galleria é uma visita que, constando dos guias, está (pareceu-me) meio escondida entre conjunto das coisas mais divulgadas e que importa ver em Roma. Talvez porque se trate de uma galeria particular, não sei. Apesar disso, com uma organização fantástica, proporciona-nos uma visita única. À entrada é-nos dado a escolher um auricular telefónico na língua que desejarmos: italiano, ou francês, ou inglês, com a vantagem de, se optarmos pela língua pátria, a viagem ser conduzida pela voz do actual proprietário do palácio ou porta-voz da família. À medida que vamos percorrendo as salas e digitando os números das diferente peças, (não precisamos de nos submeter a um ritmo pré-determinado por alguém…) vamos tendo informação sobre cada recanto, cada obra, cada artista exposto.
Uma parte do palácio, uma parte ínfima, está aberta ao público e nela se podem observar, demoradamente, um conjunto de obras (pintura escultura, arquitectura, história) que pertencem ao espólio da família. Na outra zona, a de maior volumetria, vive ainda a abastada família, uma das mais ricas de Itália, diz-se.

(continua)

ainda a noite eleitoral

A propósito do último post, há a considerar que a equipa zeladora da imagem do presidente, falhou. É que ele há equipas zeladoras e equipas zeladoras. Ele há imagem e imagem. Há que preservar mais umas que outras, certamente. Se trabalhassem para o Major Valentim Loureiro, ('da-se), estavam bem lixados, ('da-se). Que quem trabalha ao seu lado, (f.d.p. de calaceiros), tem de dar de giz, (é sempre a mesma m.).
Notável momento televisivo.

domingo, outubro 16, 2005

anarquias





Disto é que eu gosto.
Faz hoje oito dias (ou talvez amanhã, que eu não assisti ao «evento», para citar Lygia Fagundes Telles...), alguém, ou alguns, divertiram-se a colar uns quantos cartazes, não sei se muitos se poucos, nas paredes da cidade de Braga, precisamente quando a cidade dormia e se preparava para, mal o dia amanhecesse, votar. O cataz mostra, como se vê, em pose sonolenta, uma pessoa parecida com o engenheiro Mesquita Machado, emoldurado por uns quantos caracteres que imitam (creio, porque não falo a língua) uma qualquer mensagem pretensamente arábe. O dia amanheceu e a equipa zeladora da imagem do engenheiro e do partido que representa, apressou-se a limpar a cidade dos tais cartazes, deixando porém, escapar uns quantos. Foram diligentes, rápidos e eficazes, mas... Deixaram escapar este, que a fotografia captou, colado à porta (ou melhor, «na porta») da Câmara, onde ficou durante algumas horas.

sábado, outubro 15, 2005

Notas de Viagem IV

Há um semanário em Itália chamado L’ Expresso, quase tal qual como em Portugal. Só que é uma revista. E está a comemorar cinquenta anos. Ora, para comemorar esta data redonda, – bodas de ouro –, o semanário fez uma edição que acaba por ser especial, para coleccionador, apesar de ser uma edição normal, conforme a normal edição do semanário. O facto de ser a edição comemorativa do quinquagésimo aniversário, é que faz dela uma edição especial, e não por qualquer outra razão. Para nós, portugueses, a edição é ainda mais especial porque, oh feliz coincidência, a revista faz menção ao espectáculo UBUs que o Teatro Nacional S. João esteve a mostrar no Teatro Argentina, uma das salas mais emblemáticas da capital italiana, dizem-me. Nessa notícia, de página inteira, para além de três fotos, fazem-se as considerações mais simpáticas ao espectáculo que iria ser mostrado, no âmbito do Festival Internacional da União dos Teatros da Europa, organismo de que o S. João é membro desde há pouquíssimo tempo.
E talvez que esse texto tenha sido uma das razões para as duas noites cheias na cidade de Roma.
O que é incrível é como há gente, criadores e administradores portugueses, que apesar de tudo, ainda vão conseguindo construir memória, a partir do nada que é a política cultural portuguesa.

quinta-feira, outubro 13, 2005

Palavras Sempre Ditas Com Paixão

Este é um verso de Sophia.
Este é, igualmente, o título de um recital que o Sindicato de Poesia criou para a Biblioteca Almeida Garrett, Porto, e que mostra esta tarde, às 19h00, na Universidade do Minho, Campus de Gualtar.
As palavras de Sophia serão ditas por Gaspar Machado, Manuela Martinez, Marta Catarino, Sofia Saldanha e Vânia Gonçalves.
Um recital em três Respirações e um Oráculo disfarçado de prólogo.

terça-feira, outubro 11, 2005

Notas de Viagem III

Eu já sabia que, oficiosamente, o sinal vermelho dos semáforos nas estradas portuguesas significava, sobretudo à noite, ter atenção à polícia, olhar atentamente à volta e passar de mansinho; que o amarelo significava «acelerar»; e que o verde queria dizer «andar à vontade, na maior».
O que eu não sabia era que tudo isto ganhava um sentido diferente em Roma. Um sentido amplificador, diria. Não há passadeira que resista, quer tenha peões ou não; não há cruzamento que determine prioridades. A palavra de ordem é avançar sem medo.
(…)

São milhares os carros que circulam descontroladamente nas estradas do centro de Roma. São, igualmente, milhares os turistas e habitantes que circulam a pé, e que se digladiam, sem tréguas, no ringue mais perigoso que conheço: a estrada.
Aos peões põe-se um dilema difícil de resolver: se não avançarem resolutamente, nunca passarão; mas se derem o indispensável passo em frente, correm o risco de ser atropeladas. Contudo, essa é a única possibilidade de passar para o outro passeio e continuar caminho.
(…)
A convivência do peão com a máquina (carro ou moto) é muito difícil no centro de Roma. Basta pensar nestes números: Roma terá, talvez, cerca de cinco milhões de habitantes. Se a estes moradores habituais, se juntarem uns três ou quatro milhões de turistas, as contas tornam-se completamente impossíveis.
Para complicar ainda mais a equação, a própria organização do trânsito é caótica. Motas e carros lutam por uma trajectória, por um pedaço de alcatrão livre. Roma vive em permanente estado de «hora de ponta».
(…)
Por isso, também, a poluição é extraordinariamente intensa, quiçá na proporção directa da inexistência de espaços verdes. É verdade que alguns terraços denunciam a presença de jardins «suspensos», porventura belos, e privados, mas insuficientes para restabelecer algum equilíbrio na qualidade do ar que se respira. Também é verdade que, onde quer que tentassem construir um jardim, com grande probabilidade, encontrariam vestígios romanos. Há, portanto, pedra, em vez de árvores.
(…)
Depois de uns dias passados na cidade eterna (segundo Mega Ferreira, esse epíteto resulta do facto de ser Roma a cidade com mais obeliscos alevantados… ora, sabe-se, o obelisco é símbolo de eternidade…), regressar a casa é já um pequeno milagre que, felizmente, acontece com frequência.
E que melhor designação poderia haver para a palavra «milagre» senão os sucessivos regressos de tantos turistas?

domingo, outubro 09, 2005

Eleições II

Avelino Ferreira Torres perdeu.
E tinha tudo para ganhar.
Este é um dos maiores dramas da democracia portuguesa nos dias que correm.
Nunca o facto de uma série de candidatos às eleições autárquicas serem arguidos em processos mais ou menos mediáticos, poderem aproveitar a projecção que os casos em que estão envolvidos lhes proporciona, poderem cavalgar essa onda (se é que precisaram) e, graças a isso, ganhar, teve tanta importância. Independentemente de a alguns se reconhecer trabalho e de aí residir, também, a razão parcial do sucesso.
Ferreira Torres já o afirmou, naquela sua maneira característica, que essa é a razão maior da sua derrota.
De uma maneira ou de outra, a derrota de Ferreira Torres (apesar de ser convicção minha que os media lhe deram todas as condições para ganhar) significa uma réstea de esperança na democracia enfraquecida que alimenta a nossa vontade cívica.

Eleições I

Com esta mão fechada, bato no peito. Uma, duas, três vezes.
E peço perdão ao senhor Engenheiro Mesquita Machado e ao Partido Socialista, por um texto que aqui escrevi a propósito de abertura inopinada do Teatro Circo, à curiosidade do cidadão eleitor bracarense. Escrevi na altura, ou deixei-o entender, que o Partido Socialista não precisava de descer tão baixo para ganhar estas eleições. Escrevi-o porque não sabia que esta batalha eleitoral estava tão difícil para os socialistas de Braga. Nunca pensei que os resultados estivessem tão tremidos como o comprovam os resultados conhecidos até ao momento em que publico este post.
É que uma coisa é descer abaixo do que é eticamente tolerável, e outra coisa são as razões que motivam esssa descida aos infernos.

Notas de Viagem II

Uma anedota dizia há algum tempo que «a CP não anda: voa».
A rapaziada divertia-se a mudar o acento da frase, a colocar o peso das palavras em pés não naturais, a trocar-lhe as voltas, a regionalizar onde podia, e o slogan mudava substancialmente: «a CP não anda boa».
Podia dizer exactamente o mesmo da TAP.

Notas de Viagem I

O miúdo estava à espera, sentado numa cadeira, ao lado da hospedeira que fazia a recepção dos bilhetes, à entrada do autocarro que levaria os passageiros do voo TAP 1984 de Lisboa para o Porto. Estava atrasada a viagem. O miúdo impacientava-se. Abanava a perna, nervoso. No colo, um jornal desportivo dentro de um outro que titulava «MPLA». De vez em quando a mulher falava-lhe e ele abria o sorriso. Os restantes passageiros iam passando e, finalmente, passada esta última fronteira, o miúdo desceu com a funcionária, entrou no autocarro, e fechou-se um pouco mais contra um dos varões verticais. A mulher falou-lhe: está quase. O rapaz sorriu-lhe, em resposta. Era um rapazinho muito bonito, simpático, com o rosto adolescente, brilhante, contraído, de maturidade precoce. Escondia a ansiedade como se lhe estivesse vedado vivê-la. Claramente, vinha de Angola. Fazia escala em Lisboa. Ia para o Porto. E tinha, soube-o mais tarde, duas razões para estar ansioso. Trazia dois (a)braços nervosos para entregar e receber.
Tornei a vê-lo, exultante, junto ao tapete rolante que ia trazendo as bagagens. Aí já abraçado a um outro rapaz mais velho, vestido com uma imensa camisola, toda ela a bandeira de Angola. Imaginei-os irmãos reencontrados, felizes no abraço impossível durante algum tempo.
Mais tarde tornei a encontrá-lo no gabinete de reclamação de bagagens. O rapaz estava inconsolável. Que queria tornar. Que tinha perdido a felicidade. Onde é que estava a sua mala? E o irmão respondia-lhe, restaurando-lhe o sorriso: não digas isso que estamos no mundial, mano.
Era isso. Angola garantira lugar, pela primeira vez na sua história, num campeonato mundial de futebol. Por muitas malas que lhe não entregassem, os dois rapazes tinham duas razões demasiado fortes para perder a felicidade.

domingo, outubro 02, 2005

Um Diário Remendado

Uma queridíssima amiga minha disse-me, há pouco, ter sonhado consigo mesma e ter acordado, mais ou menos estupefacta (talvez surpreendida seja um termo mais adequado) por se ter reconhecido com quatro sobrancelhas.
Apesar do estranho sonho, fiquei com imensa inveja. Fico sempre invejoso dos que conseguem lembrar-se dos seus sonhos porque, invariavelmente, nunca me recordo de nada que tenha vivido, adormecido.
E despejo este pensamento, aqui, hoje, porque me cruzei com um pensamento semelhante do senhor Luís Pacheco, no seu Diário Remendado. É que até Pacheco, ressacando ou não, se recorda do que sonha. E porque não eu? Sei que a inveja é uma coisa muito feia, mas que fazer? Diz ele:

Pena não haver um gravador automático de sonhos. Ou, pelo menos, ainda eu não ter, à noite, um gravador fácil de manejar estremunhado, pois quando o sonho «corta», como numa filmagem, quase sempre me recordo dos seus pormenores, comento comigo, rebusco causas próximas ou longínquas, tento achar explicações (mas o meu conhecimento de Freud e sequazes ou opositores é muito superficial) e quase sempre me escapa o sentido do sonhado.
Esta é uma das passagens que constam deste diário pachecal – muitas passagens não são copiáveis… claro que imaginam… - onde está bem presente a ideia da sobrevivência.


Uma edição Dom Quixote de Agosto deste ano. Um diário que nos leva ao universo abjeccionista de Pacheco, entre 71 e 75.

sábado, outubro 01, 2005

arte pública em Vila Verde

Numa das rotundas de Vila Verde, na rotunda da escola, está desde há poucas horas, uma obra do escultor João Sotero.
A peça, múltipla na sua linguagem una, constitiuída por uma série de lâminas que se projectam, a partir do chão, para o céu, e que vão comunicando entre si, ora tocando-se em apoios variados, ora deixando-se enfeitiçar pelo sol, que as banha, depois de penetrar as lâminas irmãs através de orifícios construídos, (curiosamente pedaços que se desmaterializam para se assumirem como negativos ou anti-matéria, mas deixando o positivo projectar-se num outro sentido, sendo o aço, com muitos centímetros de espessura, trabalhado como se fora papel) será inaugurada oficialmente (esta data creio ainda não estar confirmada) no próximo dia 23 de outubro, domingo, logo que estejam concluídos os arranjos necessários na via.
Uma rotunda a merecer uma espreitadela.