domingo, outubro 02, 2005

Um Diário Remendado

Uma queridíssima amiga minha disse-me, há pouco, ter sonhado consigo mesma e ter acordado, mais ou menos estupefacta (talvez surpreendida seja um termo mais adequado) por se ter reconhecido com quatro sobrancelhas.
Apesar do estranho sonho, fiquei com imensa inveja. Fico sempre invejoso dos que conseguem lembrar-se dos seus sonhos porque, invariavelmente, nunca me recordo de nada que tenha vivido, adormecido.
E despejo este pensamento, aqui, hoje, porque me cruzei com um pensamento semelhante do senhor Luís Pacheco, no seu Diário Remendado. É que até Pacheco, ressacando ou não, se recorda do que sonha. E porque não eu? Sei que a inveja é uma coisa muito feia, mas que fazer? Diz ele:

Pena não haver um gravador automático de sonhos. Ou, pelo menos, ainda eu não ter, à noite, um gravador fácil de manejar estremunhado, pois quando o sonho «corta», como numa filmagem, quase sempre me recordo dos seus pormenores, comento comigo, rebusco causas próximas ou longínquas, tento achar explicações (mas o meu conhecimento de Freud e sequazes ou opositores é muito superficial) e quase sempre me escapa o sentido do sonhado.
Esta é uma das passagens que constam deste diário pachecal – muitas passagens não são copiáveis… claro que imaginam… - onde está bem presente a ideia da sobrevivência.


Uma edição Dom Quixote de Agosto deste ano. Um diário que nos leva ao universo abjeccionista de Pacheco, entre 71 e 75.