sexta-feira, julho 15, 2016

uma crónica antiga - 29 junho

Para todos aqueles que dizem que não há dinheiro em Portugal e que as condições de trabalho em Portugal são escassas e, tatas vezes precárias, aqui está o desmentido. O microfone lançado ao lago pelo capitão da selecção, custa quase trezentos euros. Trezentos. Ora, convenhamos: o lancamento de engenhos que custam trezentos euros o espécime, ainda por cima para lugares tão recônditos e de tão difícil acesso, por exemplo um lago, que impedem a sua recolha imediata e posterior utilização, prova exactamente o contrário. É uma coisa elitista, uma espécie de golfe, Não é bom exemplo, porque não tem taco, no sentido duplo. Mas tem pudle, e caddie, e tem gente muito avantajada a fazer a sua prática elitista. Talvez seja, por razões óbvias, mais parecido com o arremesso de peso, só que sem estilo, o que é uma pena.
O lancamento até nem foi nada de especial. Um pouco efeminado, até. A menor extensão do braço, demasiado relaxado no momento em que larga o engenho, indiciava um gesto pouco empenhado, pouco dedidido, mesmo que a pega do engenho tenha sido uma coisa batalhada. O jornalista numa primeira investida ainda conseguiu defender a propriedade do engenho, segurou-o com vigor, mas na investida seguinte já não conseguiu retê-lo e, no assédio prosseguido, o microfone lá foi, f-f-f-f-f, rompendo o vento, e testemunhando a temperatura da água.
Imagino que o jornalista tenha ficado surpreendido. Ele que só estava a usar o microfone na primeira acepção e primária.
Enquanto que o capitão da selecção lusa, qual criança a quem pôem à frente uma coisa daquelas, com logo em espuma vermelha e tudo, imaginou que poderia fazer com ele outras coisas. Agarrou-o num primeiro impulso e enquanto que jornalista, bisbolheteiro, o defendia sem grande denodo, diga-se, pensando que o putativo entrevistado iria assenhorear-se do futuro engenho mas nesse momento apenas engenhoca para reter a fala e nunca mais o largaria, segurou-o com convicção. Estava longe de imaginar que o putatito entrevistado apenas queria o engenho para se livrar dele imediatamente.
Ao jornalista foi-lhe dito, no momento da sua formação, que o microfone nunca se passa para a mão do entrevistado. O microfone é o símbolo maior do poder praticado na opinião e deve permaner nas mãos, e na posse, da entidade que deve ser poderosa, que deve guardar o poder, o que faz as perguntas e responde perante o patrão do orgão de comunicação. Ao deixar ir o microfone com o entrevistado, seja ele quem for, daixa ir o poder, fica esvaído dele e, a seguir, muito provavelmente, também do emprego, porque entregou o poder que o dono do orgão de comunicação social, detém.
Imagino o bailado do microfone, em câmara lenta. Rodando e rodando, tomando o vento uma vez, dando uma volta sobre si próprio e tornando à aragem outra vez, e assim sucessivamente.
F-f-f-f-f-f-f-f-f-f-f-f-f-f, pluf.
Esta é a língua que o microfone fala.
Uma língua que se cala, trezentos euros depois de sair da loja e depois de muito perdigoto recolhido.

A indemenizacão pedida pelo CMTV não pode ser inferior ao custo do material danificado.