uma crónica antiga - 29 junho
Para todos aqueles que dizem que não
há dinheiro em Portugal e que as condições de trabalho em Portugal são escassas
e, tatas vezes precárias, aqui está o desmentido. O microfone lançado ao lago
pelo capitão da selecção, custa quase trezentos euros. Trezentos. Ora, convenhamos: o lancamento de
engenhos que custam trezentos euros o espécime, ainda por cima para lugares tão
recônditos e de tão difícil acesso, por exemplo um lago,
que impedem a sua recolha imediata e posterior utilização, prova exactamente o contrário. É
uma coisa elitista, uma espécie de golfe, Não é bom
exemplo, porque não tem taco, no sentido duplo. Mas tem pudle, e caddie,
e tem gente muito avantajada a fazer a sua prática elitista. Talvez seja, por
razões óbvias, mais parecido com o arremesso de peso, só que sem estilo, o que
é uma pena.
O lancamento até nem foi nada de
especial. Um pouco efeminado, até. A menor extensão do braço, demasiado
relaxado no momento em
que larga o engenho, indiciava um gesto pouco empenhado, pouco dedidido, mesmo
que a pega do engenho tenha sido uma coisa batalhada. O jornalista numa
primeira investida ainda conseguiu defender a
propriedade do engenho, segurou-o com vigor, mas
na investida seguinte já não conseguiu retê-lo e, no assédio prosseguido, o
microfone lá
foi, f-f-f-f-f, rompendo o vento, e testemunhando a temperatura
da água.
Imagino que o jornalista tenha ficado
surpreendido. Ele que só estava a usar o microfone na primeira acepção e
primária.
Enquanto que o capitão da selecção
lusa, qual criança a quem pôem à frente uma coisa daquelas, com logo em espuma
vermelha e tudo, imaginou que poderia fazer com ele outras coisas. Agarrou-o
num primeiro impulso e enquanto que jornalista, bisbolheteiro, o defendia sem
grande denodo, diga-se, pensando que o putativo entrevistado iria
assenhorear-se do futuro engenho mas nesse momento apenas
engenhoca para reter a fala
e nunca mais o largaria, segurou-o com convicção. Estava longe de imaginar que
o putatito entrevistado apenas queria o engenho para se livrar dele
imediatamente.
Ao jornalista foi-lhe dito, no
momento da sua formação, que o microfone nunca se passa para a mão do entrevistado.
O microfone é o símbolo maior do poder praticado na opinião e deve permaner nas
mãos, e na posse, da entidade que deve ser poderosa, que
deve guardar o poder, o que faz as perguntas e responde perante o patrão do
orgão de comunicação. Ao deixar ir o microfone com o entrevistado, seja ele
quem for, daixa ir o poder, fica esvaído dele e, a seguir, muito provavelmente,
também do emprego, porque entregou o poder que o dono do orgão de comunicação
social, detém.
Imagino
o bailado do microfone, em câmara lenta. Rodando e rodando, tomando o vento uma
vez, dando uma volta sobre si próprio e tornando à aragem outra vez, e assim
sucessivamente.
F-f-f-f-f-f-f-f-f-f-f-f-f-f, pluf.
Esta
é a língua que o microfone fala.
Uma
língua que se cala, trezentos euros depois de sair da loja e depois de muito
perdigoto recolhido.
A
indemenizacão pedida pelo CMTV não pode ser inferior ao custo do material
danificado.
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