sexta-feira, julho 15, 2016

uma crónica depois do tempo - 14 de junho

Por estes dias, o futebol inunda o mundo, submerge-o absolutamente. Este vai ser um junho afogado, sem espaço nem ar para que livremente se respire. De frança, o campeonato da europa salta para a primeira página das atenções dos portugueses, atiça-lhes a cabeça e a atenção, e não deixa espaço para mais  coisíssima nenhuma.
A atenção dos media é avassaladora.
Na medida da minha exasperação.
Num momento em que vida e morte se proclamam como um grito extraordinario, de portugal para o mundo, é ao futebol que se vai arremedar tema, fazer arder conversa, dirimir pontos de vista.
Os comentadores futeboleiros, que por estes dias se multiplicam como cogumelos, mas dos venenosos, fazem fila em frente dos microfones e câmaras e páginas dos jornais deste mundo e de todos os mundos, com ar de quem sabe tudo, nunca se engana e raramente tem dúvidas, acerca do pontapé na bola e derivados, dando ares de intelectuais iluminados a quem a  humanidade deve agradecimentos sem fim. São insubstituíveis por estes dias, porque só eles existem, mais a sua insuportavel verbe, construída a partir de lugares comuns que, pelo seu basismo, me incomodam, no que não são nem poderiam ser, mas no que insinuam parecer ser, perante a idiotice geral. Mais o Pedro Abrunhosa e o pseudo-hino e o raio que os parta…
Peço desculpa. Entusiasmei-me. Eu que até gosto do Pedro Abrunhosa…
E, contudo, uma crianca nasceu miraculosamente, cento e tal dias depois (dezassete semanas) da morte cerebral da mãe, funcionando essa mãe, para consubstanciar o milagre, como incubadora humana somente. Um milagre da ciência portuguesa e, por isso, um não-mlagre, que tem colhido a admiração geral pelo mundo fora, onde ainda há aldeias e gauleses e espaço para mais que o império romano e as invasões consequentes.
Mas mesmo assim, perante o milagre desta vida que se quis vingada para além da morte da mãe, é só da bola que se fala, como se da vida fosse, e nada menos do que ela.
Ha três dias, num bar de Orlando, um alienado que assistiu ao espectáculo escabroso de dois homens beijando-se, decidiu purgar a humanidade de gente de tal raça, e matou cinquenta, deixando outros tantos feridos com maior ou menor gravidade. Uma atrocidade sem nome que atravessou o coração da humanidade deixando um rasto de destruição. Um acontecimeno realmente importante que a todos deveria questionar, desapareceu das preocupações nacionais. Porque aconteceu com uma comunidade de que queremos distância? Porque aconteceu longe?
E, apesar do horror da noticia e consequente ressaca, é de futebol que as nossas bocas e ouvidos se ocupam, matéria mais importante e mais fundamental para as nossas vidas.
Quem somos nós, de que massa somos feitos, se são assuntos como estes, que deixamos que nos ocupem a atenção por estes dias?
Nao somos melhores que ninguem mas, convenhamos, não nos deixemos fazer piores que ninguém.
Nao nos deixemos embarcar em ridiculos golos cantados na rádio e histórias pseudomágicas que só servem para apoucar a nossa inteligencia.

Entretanto, jogou Portugal. E empatou. A culpa é de Lourenço, Lourenço Salvador, o bebé miraculado, que não torceu suficientemente pela selecção lusa. Definitivamente, não merece a nossa preocupação.