uma crónica depois do tempo - 14 de junho
Por
estes dias, o futebol inunda o mundo, submerge-o absolutamente. Este vai ser um
junho afogado, sem espaço nem ar para que livremente se respire. De frança, o
campeonato da europa salta para a primeira página das atenções dos portugueses,
atiça-lhes a cabeça e a atenção, e não deixa espaço para mais coisíssima nenhuma.
A
atenção dos media é avassaladora.
Na
medida da minha exasperação.
Num
momento em que vida e morte se proclamam como um grito extraordinario, de
portugal para o mundo, é ao futebol que se vai arremedar tema, fazer arder
conversa, dirimir pontos de vista.
Os
comentadores futeboleiros, que por estes dias se multiplicam como cogumelos,
mas dos venenosos, fazem fila em frente dos microfones e câmaras e páginas dos jornais
deste mundo e de todos os mundos, com ar de quem sabe tudo, nunca se engana e
raramente tem dúvidas, acerca do pontapé na bola e derivados, dando ares de
intelectuais iluminados a quem a
humanidade deve agradecimentos sem fim. São insubstituíveis por estes
dias, porque só eles existem, mais a sua insuportavel verbe, construída a
partir de lugares comuns que, pelo seu basismo, me incomodam, no que não são nem
poderiam ser, mas no que insinuam parecer ser, perante a idiotice geral. Mais o
Pedro Abrunhosa e o pseudo-hino e o raio que os parta…
Peço
desculpa. Entusiasmei-me. Eu que até gosto do Pedro Abrunhosa…
E,
contudo, uma crianca nasceu miraculosamente, cento e tal dias depois (dezassete
semanas) da morte cerebral da mãe, funcionando essa mãe, para consubstanciar o
milagre, como incubadora humana somente. Um milagre da ciência portuguesa e,
por isso, um não-mlagre, que tem colhido a admiração geral pelo mundo fora,
onde ainda há aldeias e gauleses e espaço para mais que o império romano e as
invasões consequentes.
Mas
mesmo assim, perante o milagre desta vida que se quis vingada para além da
morte da mãe, é só da bola que se fala, como se da vida fosse, e nada menos do
que ela.
Ha
três dias, num bar de Orlando, um alienado que assistiu ao espectáculo
escabroso de dois homens beijando-se, decidiu purgar a humanidade de gente de
tal raça, e matou cinquenta, deixando outros tantos feridos com maior ou menor
gravidade. Uma atrocidade sem nome que atravessou o coração da humanidade
deixando um rasto de destruição. Um acontecimeno realmente importante que a
todos deveria questionar, desapareceu das preocupações nacionais. Porque
aconteceu com uma comunidade de que queremos distância? Porque aconteceu longe?
E,
apesar do horror da noticia e consequente ressaca, é de futebol que as nossas
bocas e ouvidos se ocupam, matéria mais importante e mais fundamental para as
nossas vidas.
Quem
somos nós, de que massa somos feitos, se são assuntos como estes, que deixamos
que nos ocupem a atenção por estes dias?
Nao
somos melhores que ninguem mas, convenhamos, não nos deixemos fazer piores que
ninguém.
Nao nos
deixemos embarcar em ridiculos golos cantados na rádio e histórias pseudomágicas
que só servem para apoucar a nossa inteligencia.
Entretanto,
jogou Portugal. E empatou. A culpa é de Lourenço, Lourenço Salvador, o bebé
miraculado, que não torceu suficientemente pela selecção lusa. Definitivamente,
não merece a nossa preocupação.
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