segunda-feira, março 14, 2016

o novo presidente e o velho

Foi muito bonita a festa de passagem de testemunho no Palácio de Belém.
Estava tudo muito bem organizado, bom discurso (dizem), viagens em barda logo no primeiro dia, ora para depositar flores no túmulo de Camões como todos os presidentes fizeram, ora para depositar flores no túmulo do Gama, no que Marcelo se mostrou inovador. Não precisou de andar muito, que entre um e outro, distam apenas alguns passos. Condecorou Cavaco acho que no palácio da Ajuda, que com o colar ao pescoço desapareceu de cena. Nessa noite ainda foi ao concerto na praça do município onde Anselmo Ralph deu um brilhante tralho. Pedro Abrunhosa, que também integrava o elenco, achou aquilo demais, afinal o especialista em tralhos espetaculares é ele. Mas pronto.
Desde esse momento, não do tralho, mas da tomada de posse, que o sol brilha com um entusiasmo de salientar, como se estivéssemos a viver uma espécie de primavera marcelista. A segunda. Sem ofensa, que entre os dois marcelos não se nada em sangue, nem em água baptismal, mas sim em líquido amniótico. Histórias antigas...
Até o Benfica deu cabo no Zénit, para provar que as cerimônias estavam bem organizadas. Uma coisa de nível internacional, vejam lá.
Estranho estranho, já agora, foi o aperto de mão que Marcelo dispensou a Cavaco, na hora de trocar de cadeira na assembleia da república. Fui só eu que notei que aquele esbracejar marcelista, não é normal? Foi muito esbracejar para apenas um aperto de mão. Parecia que a qualquer momento, Marcelo se transformava em tino de rãs e abraçava, mas com abraço de uso, o presidente cessante, como o de rãs fez a guterres, lembram-se, já lá vão uns anitos. Tino que estava na fila sete, a assistir a tudo, li não sei onde, e não gostou de se sentar tão longe... Aliás, a onselhou Marcelo a olhar para a sétima fila onde, imagino, estaria sentado o povo que ele representa...
Na sábado passei pelo palácio cor de rosa - trabalho, trabalho, trabalho - e havia filas intermináveis para visitar o edifício. E o sol no seu apogeu. E agora é assim: cada vez que Marcelo sai à rua, é uma animação, as pessoas ficam malucas. Caramba, ter ali à mão de semear o presidente, é qualquer coisa que as exalta, e elas deixam-se levar pela comoção popular.
Cavaco, esse, de colar ao pescoço, parece ter desaparecido. Nem uma imagem mais, nem uma fugidia aparição, nada. Deve estar resguardado no convento de sacramento, onde mandou arranjar gabinete em troca de um milhão e meio de euros em obras. Deve estar lá bem, quentinho e aconchegado, a arrumar papéis e a preparar memórias.
Uma das últimas, e que é para guardar para toda a eternidade, prende-se precisamente, com a escolha do pintor que o há-de imortalizar nas paredes do palácio de Belém, na galeria dos ex-presidentes. Escolheu um artista, ou alguém por ele, um artista ainda jovem, que pinta com técnica hiper realista, muito preciso parece-me, tecnicamente apetrechado, mas falho de poesia e segundos sentidos. Um retrato à imagem de Cavaco. Que não põe em causa a qualidade do pintor. Curiosamente, no portfólio deste artista, primam obras onde o que permanece é o erótico, masculino e feminino, arrojado, pleno de subentendidos. Pena que Cavaco não se tivesse feito fotografar nu, lambuzando o mamilo de alguém, do chefe da casa civil por exemplo, ou qualquer outro mamilo, que o importante aqui é o gesto em abstracto, e não o mamilo em concreto.
Perdeu-se essa oportunidade de levar sangue e excitação, à tranquila e pacata vida despoetizada de Cavaco.
E o pior, parece-me, é que, no caso em apreço, não dá para dizer "fica para a próxima".