o novo presidente e o velho
Foi
muito bonita a festa de passagem de testemunho no Palácio de Belém.
Estava
tudo muito bem organizado, bom discurso (dizem), viagens em barda logo no
primeiro dia, ora para depositar flores no túmulo de Camões como todos os
presidentes fizeram, ora para depositar flores no túmulo do Gama, no que
Marcelo se mostrou inovador. Não precisou de andar muito, que entre um e outro,
distam apenas alguns passos. Condecorou Cavaco acho que no palácio da Ajuda,
que com o colar ao pescoço desapareceu de cena. Nessa noite ainda foi ao
concerto na praça do município onde Anselmo Ralph deu um brilhante tralho.
Pedro Abrunhosa, que também integrava o elenco, achou aquilo demais, afinal o
especialista em tralhos espetaculares é ele. Mas pronto.
Desde
esse momento, não do tralho, mas da tomada de posse, que o sol brilha com um
entusiasmo de salientar, como se estivéssemos a viver uma espécie de primavera
marcelista. A segunda. Sem ofensa, que entre os dois marcelos não se nada em
sangue, nem em água baptismal, mas sim em líquido amniótico. Histórias
antigas...
Até
o Benfica deu cabo no Zénit, para provar que as cerimônias estavam bem
organizadas. Uma coisa de nível internacional, vejam lá.
Estranho
estranho, já agora, foi o aperto de mão que Marcelo dispensou a Cavaco, na hora
de trocar de cadeira na assembleia da república. Fui só eu que notei que aquele
esbracejar marcelista, não é normal? Foi muito esbracejar para apenas um aperto
de mão. Parecia que a qualquer momento, Marcelo se transformava em tino de rãs
e abraçava, mas com abraço de uso, o presidente cessante, como o de rãs fez a
guterres, lembram-se, já lá vão uns anitos. Tino que estava na fila sete, a
assistir a tudo, li não sei onde, e não gostou de se sentar tão longe... Aliás,
a onselhou Marcelo a olhar para a sétima fila onde, imagino, estaria sentado o
povo que ele representa...
Na
sábado passei pelo palácio cor de rosa - trabalho, trabalho, trabalho - e havia
filas intermináveis para visitar o edifício. E o sol no seu apogeu. E agora é
assim: cada vez que Marcelo sai à rua, é uma animação, as pessoas ficam
malucas. Caramba, ter ali à mão de semear o presidente, é qualquer coisa que as
exalta, e elas deixam-se levar pela comoção popular.
Cavaco,
esse, de colar ao pescoço, parece ter desaparecido. Nem uma imagem mais, nem
uma fugidia aparição, nada. Deve estar resguardado no convento de sacramento,
onde mandou arranjar gabinete em troca de um milhão e meio de euros em obras.
Deve estar lá bem, quentinho e aconchegado, a arrumar papéis e a preparar
memórias.
Uma
das últimas, e que é para guardar para toda a eternidade, prende-se
precisamente, com a escolha do pintor que o há-de imortalizar nas paredes do
palácio de Belém, na galeria dos ex-presidentes. Escolheu um artista, ou alguém
por ele, um artista ainda jovem, que pinta com técnica hiper realista, muito
preciso parece-me, tecnicamente apetrechado, mas falho de poesia e segundos
sentidos. Um retrato à imagem de Cavaco. Que não põe em causa a qualidade do pintor.
Curiosamente, no portfólio deste artista, primam obras onde o que permanece é o
erótico, masculino e feminino, arrojado, pleno de subentendidos. Pena que
Cavaco não se tivesse feito fotografar nu, lambuzando o mamilo de alguém, do
chefe da casa civil por exemplo, ou qualquer outro mamilo, que o importante
aqui é o gesto em abstracto, e não o mamilo em concreto.
Perdeu-se
essa oportunidade de levar sangue e excitação, à tranquila e pacata vida
despoetizada de Cavaco.
E
o pior, parece-me, é que, no caso em apreço, não dá para dizer "fica para
a próxima".
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