quarta-feira, fevereiro 04, 2015

na passagem de ano

Estes momentos de passagem, momentos que significam cotovelos na vida das pessoas, (mais significantes uns, e mais realmente existentes outros), poderiam ser coisas marcantes nas nossas vidas. Coisas realmente marcantes, quero dizer.
Por exemplo, as passagens de ano consecutivamente festejadas, perdem significado, porque não têm sustentação real na nossa vida, que pouco ou nada se altera com elas, apenas o nosso estado etílico e pouco mais, muito pouco mais. A conta bancária tb, ok, porque a passagem daquelas horas, pelo menos para alguns, custa os olhos da cara, a acreditar nas notícias e nas estatísticas que delas resultam.
Mas a queda do jardinismo na madeira, por exemplo, isso sim, é significativo, independentemente da simpatia ou antipatia que nutramos por essa mudança. Afinal de contas, sempre são quarenta anos de jardinismo.
Ou, para não sairmos da ilha, o aparecimento de mais uma estátua ao futebolista no Funchal. Depois de uma estátua indiscriminada situada na zona velha, agora surge erética, uma outra figura, claramente identificada com o símbolo madeirense e português, o cristianíssimo Ronaldo, em sólido bronze, genialmente altivo.
Claro que aqui há, essencialmente, um antes e um depois. Nada mais do que isso. Que sabemos nós do futuro e da forma como nos comportaremos, no futuro, diante da estátua ronáldica?
Outra coisa, mesmo que no plano individual, é a experiência de um cidadão que, acidentado automóvel, - e está história é notícia real, ainda que incrível - entra em coma, induzido ou nem por isso, e que, quando acorda, se descobre falante fluente do francês, mesmo que nunca tenha falado tal língua, para além do que rudimentar e basicamente aprendera na escola.
Isso sim, contém definitivamente, um antes e um depois. Esse é, finalmente, um espaço de passagem, milagroso espaço, que desentrava a língua e a arremessa para patamares impensáveis. Um portal incrível para a vida daquela criatura, que abre para geografias emocionais impensáveis.
Também (a mim) eu gostaria que acontecesse algo semelhante, numa passagem de ano, por exemplo. Isto, para juntar o útil ao agradável, e evitar o acidente automóvel, que deve doer enormidades. Ser largado inocentemente e ignorante nas margens do ano que passa, para ser resgatado no ano que começa, expert de uma outra coisa qualquer, inalcansável no ano velho, mas ali, à mão, no ano que começa, ou dito de outra maneira, na vida que começa. Colectivamente, que no dobrar das horas, os 600 mil velhos e velhas portuguesas desnutridos, milagrosamente recuperassem a qualidade de vida que perderam, ou que nunca tiveram. E que falassem um português correcto, porque sem medo. E que ressuscitassem nas filas de espera das urgências nos hospitais, ao invés de morrerem. E que ao ressuscitarem, viessem conhecedores de economia social e humana, para pôr isto na ordem.
Na impossibilidade de tudo isto acontecer, resta-nos a alienação da televisão, por exemplo, o respeito pelas instituições, que é muito lindo, como antigamente se dizia, e o colher e calar de toda a vida.

Talvez que as coisas comecem a mudar na Grécia. Dia 25 se saberá.