na passagem de ano
Estes
momentos de passagem, momentos que significam cotovelos na vida das pessoas,
(mais significantes uns, e mais realmente existentes outros), poderiam ser
coisas marcantes nas nossas vidas. Coisas realmente marcantes, quero dizer.
Por
exemplo, as passagens de ano consecutivamente festejadas, perdem significado,
porque não têm sustentação real na nossa vida, que pouco ou nada se altera com
elas, apenas o nosso estado etílico e pouco mais, muito pouco mais. A conta
bancária tb, ok, porque a passagem daquelas horas, pelo menos para alguns,
custa os olhos da cara, a acreditar nas notícias e nas estatísticas que delas
resultam.
Mas a
queda do jardinismo na madeira, por exemplo, isso sim, é significativo,
independentemente da simpatia ou antipatia que nutramos por essa mudança.
Afinal de contas, sempre são quarenta anos de jardinismo.
Ou,
para não sairmos da ilha, o aparecimento de mais uma estátua ao futebolista no
Funchal. Depois de uma estátua indiscriminada situada na zona velha, agora
surge erética, uma outra figura, claramente identificada com o símbolo
madeirense e português, o cristianíssimo Ronaldo, em sólido bronze, genialmente
altivo.
Claro
que aqui há, essencialmente, um antes e um depois. Nada mais do que isso. Que
sabemos nós do futuro e da forma como nos comportaremos, no futuro, diante da
estátua ronáldica?
Outra
coisa, mesmo que no plano individual, é a experiência de um cidadão que,
acidentado automóvel, - e está história é notícia real, ainda que incrível -
entra em coma, induzido ou nem por isso, e que, quando acorda, se descobre
falante fluente do francês, mesmo que nunca tenha falado tal língua, para além
do que rudimentar e basicamente aprendera na escola.
Isso
sim, contém definitivamente, um antes e um depois. Esse é, finalmente, um
espaço de passagem, milagroso espaço, que desentrava a língua e a arremessa
para patamares impensáveis. Um portal incrível para a vida daquela criatura,
que abre para geografias emocionais impensáveis.
Também
(a mim) eu gostaria que acontecesse algo semelhante, numa passagem de ano, por
exemplo. Isto, para juntar o útil ao agradável, e evitar o acidente automóvel,
que deve doer enormidades. Ser largado inocentemente e ignorante nas margens do
ano que passa, para ser resgatado no ano que começa, expert de uma outra coisa
qualquer, inalcansável no ano velho, mas ali, à mão, no ano que começa, ou dito
de outra maneira, na vida que começa. Colectivamente, que no dobrar das horas,
os 600 mil velhos e velhas portuguesas desnutridos, milagrosamente recuperassem
a qualidade de vida que perderam, ou que nunca tiveram. E que falassem um
português correcto, porque sem medo. E que ressuscitassem nas filas de espera
das urgências nos hospitais, ao invés de morrerem. E que ao ressuscitarem,
viessem conhecedores de economia social e humana, para pôr isto na ordem.
Na
impossibilidade de tudo isto acontecer, resta-nos a alienação da televisão, por
exemplo, o respeito pelas instituições, que é muito lindo, como antigamente se
dizia, e o colher e calar de toda a vida.
Talvez
que as coisas comecem a mudar na Grécia. Dia 25 se saberá.
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