um sobrinho que é enteado
Manuel Sobrinho tem 56 anos e,
actualmente, é varredor no hospital de vila nova de gaia.
Na semana passada, porque estava
programada uma visita do secretário de estado da saúde a essa unidade
hospitalar, como agora se diz, tratando por cliente aquele que, até há bem
pouco, era simplesmente doente a quem se deviam cuidados de saúde, a
administração - quem mais poderia ser? - exigiu que Manuel Sobrinho, o tal
varredor do hospital de Gaia, encostasse às boxes, ele e o seu carrinho de lixo
fórmula um. A chefe dele, que entretanto se desculpou perante o sindicato
chamado a testemunhar a segregação, argumentou ser ela, tb, uma simples
funcionária na dependência de ordens a cumprir, mera correia de transmissão de
directivas que vêm de algures, de cima certamente, dum qualquer Olimpo
administrativo, a chefe dele, dizia, ordenou-lhe que recolhesse à casa
mortuária ou ao refeitório, durante o tempo em que decorresse a tal visita
governamental, de maneira a que o senhor secretário de estado o não visse a
varrer. Argumentando que não tinha vergonha de nada que tivesse feito (não
tinha roubado... na ingenuidade de Manuel Sorinho, só se roubasse é que devia
esconder-se... santa ingenuidade...) recusou-se a recolher a qualquer um dos
dois lugares sugeridos. De imediato, Sobrinho foi ameaçado com a instauração de
um processo disciplinar se desobedecesse às ordens recebidas e, não fosse o
diabo tecê-las, foi levado por dois seguranças que se mantiveram na periferia
até o carro do tal secretário de estado desaparecer numa qualquer curva da
visita.
Sobrinho, que não sei se teve
efectivamente escolha entre a casa mortuária e o refeitório, pelo refeitório se
ficou, que sempre é melhor o prometido café, que bebeu creio que à borla, que o
cheiro a clorofórmio e a presença fria das câmaras frigoríficas e dos seus
habitantes...
Longe de Gaia e destas
aventuras, Carlos Moedas devidamente alavancado pela administração política
portuguesa, foi para comissário europeu ou posto quejando, responsabilizar-se
pela investigação, inovação e ciência. Não consta que perceba um boi do
assunto, mas isso pouco imprta. Aliás, este lançamento das moedas nacionais na
Europa administrativa tem alguma graça. Pelo que se ouve, e eu sei-o por
experiência própria, este é o governo que sistematicamente desinveste na
educação, na investigação (para além de tudo o mais, mas o assunto é este e,
portanto, fique-mo-nos por aqui), e na ciência. Ora, bizarrice das bizarrices,
este é o mesmíssimo governo que é chamado pelo patrão europeu a sacrificar um
dos seus filhos, o mártir moedas, para a defesa do indefensável. Sim, porque a
inestigação e a ciência, como - já agora – a educação e a cultura, são coisa de
chupistas e subsidiodependentes.
(pausa para enxugar a saliva da
raiva...)
Mas regressemos por momentos, e
para acabar esta crónica, à primeira história.
É que receio ter-me esquecido de
dizer que Manuel Sobrinho, o varredor do hospital de gaia, usa para se
deslocar, um par de muletas. Uma junta médica declarou que ele tem trinta e
sete por cento de incapacidade. Insuficente, por isso, para receber uma penção
que o retire da rua e da companhia da bendita vassoura. Faz equilibrismo numa
muleta apenas, para varrer as folhas dos caminhos. E era isso que a administração
quis esconder do secretário de estado.
Uma vergonha, enfim. Uma não:
duas.
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