conchita
Antigamente, e ao dizer
isto sinto-me como a velhinha do anúncio do continente a falar ‘’do meu tempo,
do meu tempo...’’, o festival da canção, primeiro, e o eurofestival, depois,
eram momentos de grande efervescência artística, de polémica mesmo, que davam
azo a alguns conflitos e diatribes musicais, tendo algumas delas ficado para a
história. Se não para a grande história da música, pelo menos para a história
dos festivais, viajando a bordo da importância que o público sentia por este
género de programas televisivos.
Também foi devido a essas
polémicas e respectivas diatribes, que a atenção do público em geral se manteve
centrada neste evento, e fez dele um acontecimento musical de relevância
extraordinária.
Com o desenrolar do tempo,
a importância do festival, - primeiro o nosso e, logo, por arrastamento, o
outro -, foi-se desvanecendo, foi ficando na gaveta das coisas televisivas de
que se tinha uma memória vaga, mas que não interessava ver, e até, as mais das
vezes, se evitava ver.
Paralelamente, corria a
sensação, sobretudo durante o período do estado novo, de que havia alguma perseguição
à ditadura portuguesa, uma espécie de represália internacional presente em cada
votação, que relegava a representação portuguesa para o fundo da tabela, onde a
nosso orgulho batia em cada eurofestival... Contudo, chegada a luz da
liberdade, nem por isso chegaram os votos dos países eurofestivaleiros... Mas essas
são outras contas...
Associado a este
desinteresse, assistiu-se também à debandada dos melhores compositores deste
género de música e da música que se associa a um festival e logo, ao seu lógico
deterioramento.
A sensação que se tem
agora quando se abre o frigorífico altamente tecnológico dos festivais, sobretudo
o da produção nternacional, é a imagem de canções espreitando, mas fora do
prazo de validade, decadentes, velhas, fáceis.
Contudo, no meio do
marasmo, do monte de trastes musicais sem utilidade nenhuma, de vez em quando,
como no poema de Manuel Alegre, há sempre alguém(uma) que resiste, há sempre
alguém(uma) que diz não.
Este ano, com a representação
nacional entregue a uma menina chamada Suzy que, iluminada pela música
inspirada de Emanuel, clamava a alta voz, nem sempre com suficiente afinação,
"eu quero ser tua", ganhou uma canção e uma intérprete austríaca,
chamada Conchita. De relevante nela, o facto de ser portadora de uma barba
capaz de fazer inveja o mais imberbe rapazola.
Não faço ideia do valor
artístico da senhor(ora)/ e da canção que defendeu, mas a presença da criatura,
tal como aqui há tempos aconteceu com um transexual israelita, creio, reabriu a
discussão acerca da igualdade de géneros. Com a vitória de Conchita percebemos
o quanto nos falta avançar para uma tolerância realmente não condicionada.
Dizem-me que além de
tudo, o rapaz(iga) até nem desafina.
Mas nesta equação musical,
extraordinariamente, isso até é o que menos importa.
Talvez seja mais
interessante verificar, à boleia de Conchita em abstracto, o que é que nos
falta crescer em direcção a uma humanidade mais ampla, mais inclusora, mais
livre.
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