vinte e cinco de abril 2014
Já lá vão quarenta anos
desde que um punhado de tipos saíram dos quartéis e reinventaram este país.
Desde então,
imortalizada por Herman José, embora inventada em primeira instância por
Baptista Bastos, a pergunta tem-se repetido e é chiclet que as tantas bocas
partilham sem complexos de higiene: onde é que estava no vinte e cinco de
Abril.
Há quem não se lembre,
porque não; há quem não se lembre porque se esqueceu; há quem não se queira
lembrar; há quem queira lembrar-se mas não consegue; há quem se lembre e até
nem se importe de partilhar essa lembrança; há quem se tenha querido esquecer e
agora, por força da insistência desmesurada da pergunta e da curiosidade
alheia, se relembre – vide o caso daquele ex-cabo, José Alves da
Costa que se recusou a disparar contra
Salgueiro Maia e que Adelimo Gomes descobriu em Balazar, perto da Póvia de
Varzim. E por aí fora.
Quarenta anos depois,
uma franja grande da população portuguesa a quem se pudesse colocar esta
questão, responderia, talvez, que ainda não era nascida. São já um produto do
pós vinte e cinco de Abril e, logo, da liberdade e da democracia. Muitos,
tantos, demais, nem saberia dizer o que significa e o que aconteceu nessa data,
uma coisa tão longínqua como outra data qualquer, daquelas que dão feriado e já
não querem dizer nada.
Mas esta data, este tal
vinte e cinco de Abril, ainda tem habitantes, população activa, heróis e contra-heróis,
democratas e fascistas. Gente que testemunhou a grande viragem e para quem a
memória não se apaga com duas lérias.
Se se falasse aos que
nasceram depois de nós, os que renascemos com Abril, de um país encolhido e com
medo, talvez respondessem que é esse o país que agora têm. E como estão certos.
É verdade que o país
regrediu imenso nesta última década, mais ainda nestes últimos anos, mas ainda
assim, é um país substancialmente diferente daquele que o cabo José Alves da
Costa e Salgueiro Maia e os seus camaradas de armas ousaram mudar.
Há contudo um conjunto
de coisas que persistem em se manter e são já assumidas, não como defeitos que
importa desfazer, mas como condicionantes do ser-se português que, até é justo
perservar: o pequeno suborno, por exemplo. E do pequeno ao grande, o passo é (tão)
curto. Mas ainda assim, sabemos distinguir um e outro, sendo que,
culturalmente, toleramos o pequeno, e repudiamos o grande. Distingui-mo-lo
pelos volumes envolvidos e pela capacidade que temos para subornar. Era assim,
e assim continua a ser. Uma dúzia de ovos ao professor primário e o exame da
terceira classe garantido; um queijo amanteigado ao médico que nos atende e a
baixa médica por uma semana; um automóvel ao técnico da câmara, e mais um andar
no prédio em construção.
A justiça é outra coisa
que pouco mudou. Nalguns casos, a volta que se lhe deu foi para piorar o
sistema. Mas na saúde, por exemplo, e na educação e na cultura (se exceptuarmos
os derradeiros anos) muita coisa se modificou e, convenhamos, para muito melhor.
Quarenta anos depois,
mais uma vez, os cravos já estão na água, prontos para serem sepultados nas
golas dos casacos dos deputados na assembleia da república. Por um triz que as
chaimites não foram engalanadas com cravos de papel feitos no atelier de Joana
Vasconcelos e o vinte e cinco de abril, tansformado num cortejo carnavalesco
nas ruas de Lisboa.
Aos heróis de Abril é
que continua vedado o microfone da casa da democracia, cujas portas abriram.
A presidenta da assembleia
disse que se eles não querem ir à festa envergonhada por não os deixarem falar,
o problema é deles. Eu discordo e acho que o problema é nosso.
Bom vinte e cinco de
Abril.
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