quinta-feira, maio 09, 2013

do último primeiro (de maio)


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quando eu era miúdo, fraquinho, ignorante ainda mais do que sou hoje (valha-nos ao menos isso), incapaz de perceber a perversidade da tanta gente que teimava em humilhar o parceiro de uma maneira que, tantas vezes, me surpreendia e que eu julgava impossível, intolerável, achava-me amiúde sinceramente envergonhado desses actos.
mais ainda, se calhar, dos actos eles mesmos. da sua possibilidade. da sua existência.
essa capacidade para humilhar o mais fraco, o que está indefeso, mais do que me revoltar, entristecia-me, talvez porque me envergonhasse. ou seja: a vergonha primeiro, a tristeza depois e, por fim, a revolta, se a temperatura se impusesse e o termómetro subisse.
talvez porque eu, ainda que longinquamente e nas asas e uma possibilidade remota, me reconhecesse nesse acto (asqueroso), me sentisse sujo por, também eu, mesmo que potencialmente, pudesse praticar tal barbaridade. sei lá, de num acto de tresloucamento, pudesse bater, castigar fisicamente o parceiro. e eu sei bem que sim, que apesar da aparência calma e pacata, há um viriato em mim, ou um obelix, capaz de fazer do outro, um romano empedernido.
pouco depois, percebi que, ainda mais pornográfico do que humilhar o parceiro, é, para além disso, tirar dividendos dele e da sua fragilidade... ganhar dinheiro com ele, com a sua pobreza, com a sua simplicidade, a sua singeleza. isto, para não dizer, a sua ignorância.

vem esta prosa a propósito do dia que hoje se comemora, o dia do trabalhador neste primeiro de maio de 2013.
um ano volvido e, pelos vistos, somos novamente atropelados pela sociedade do senhor jerónimo martins, e os seus campangas, mai-la marca pingo doce que, mesmo que não cumpra, ameaçou boicotar mais um dia do trabalhador. é que pelos vistos, neste primeiro de maio, os desenvergonhados voltam ao ataque à honradez dos trabalhadores e à sua dignidade.
e, lá está, para além de os humilharem, e humilharem dupla ou triplamente, porque os levam ao supermercado neste dia sagrado, quando o trabalhador deveria era estar a manifestar o seu descontentamento pelo estado a que isto chegou (como diria Salgueiro Maia), solidários com a precariedade de tantos trabalhadores, com o desemprego de cerca de vinte e cinco por cento da população activa do país, contra os cortes anunciados de mais de seis milhões de euros no investimento do estado no cidadão e no cumprimento das suas necessidades primárias...
para além disto, ainda vai, uma vez mais, colocar o miserável contra o miserável na corrida para adquirir o último pacote de guardanapos a cinquenta por cento do preço base... e, finalmente, castiga-os uma terceira vez, fazendo com que o trabalhador compre o que não necessita, desenbolsando o que o capitalista embolsa, engordando o patrão à custa do escanzelado.
ou como à laia destas práticas, puníveis a luz de todas as regras mais básicas que vinvulam o respeito ao trabalho honesto, o dia do trabalhador está transformado, não já num dia de luta, mas num dia de luto.
e eu, como em criança, volto a sentir vergonha outra vez. e tristeza. e raiva.
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PS: a perversidade atingiu foros incríveis porque a campanha não se realizou – ao menos isso – depois e ter sido anunciada nas redes sociais, certamente com o beneplácito do patrão, ora essa. Dupla perversidade: porque levou os trabalhadores à cadeia de supermercados; e porque nada aconteceu. Não há limites para a perfídia da ambição do patrão/capitalista empedernido. do homem, enfim...