terça-feira, setembro 09, 2014

dos banhos e dos bancos

Neste brevíssimo intervalo que, entretanto, a gosto decorreu, e durante o qual alguns de nós foram a banhos de uma forma mais ou menos tradicional, outros aproveitaram o tempo a dar grandes ou pequenas banhadas a si próprios, com gelo e sem gelo e, despudificados, publicaram esses banhos nas redes sociais como se a higiene de cada um fosse coisa pública e visível. Nada contra. Na sociedade de imagem em que todos, hoje mais do que nunca, vivemos, até a higiene de cada um se arrisca a ser notícia de jornal digital e coisa pública. Nos casos em apreço, duplos banhos esses, diria, que cumprem o gesto solidário e lúdico da lavagem diária da matéria física, ao mesmo tempo que se higieniza a alma. Lava-se o corpo, o mesmo corpo que é quem paga quando a cabeça não tem juízo, e dá-se outra cor à caridade solidária com endereço referenciado. Ou então, como testemunhei em inúmeras exposições, é coisa mais prosaica, arrepio para poupar um jantar, divertimento simplificado, ‘coisa louca’ para mais tarde recordar.
Sebre a caridade(zinha), tenho as maiores dúvidas. Serve para muitas coisas, claro, nomeadamene para fomentar o comércio maior das grandes superfícies em épocas específicas, e vergar a sazonalidade pobreta quando dá mais jeito. Pode ser trunfo (mosteiro e mistério) dos jerónimos desta vida, mas Caridade (com letra grande... gesto que não espera retorno... coisa não medida nem planeada à espera de reconhecimento...) é que não é. Esta caridade que se hidrata em banhos gelados, aparentemente mais nobre e fidalga, servindo solidariamente para ajudar, serve sobretudo para ilibar o Estado, ou os Estados, dos trabalhos e dos investimentos que lhe deveriam caber. O dinheiro não é de borracha, ok, sabê-mo-lo bem, e oh como o sabemos, mas essa tarefa central, curial, da administração, não deve ser coisa entregue à displicência dos humanos humores individuais. O corpo que se devia lavar é o corpo colectivo que todos constituimos, com o sabão que todos entregamos à função, de forma organizada, porque o corpo é fraco, como a carne que o compõe. Mas o Estado, ou os Estados, têm as prioridades trocadas. Prefere esfregar a sujidade da banca e do banqueiro, a investir na alma do cidadão ferido.
No entretanto, para além dessa água desperdiçada, muita outra correu debaixo da ponte, da nossa ponte. Tanta e tamanha que dificilmente recuperaremos a informação desperdiçada. Como se a realidade nos apanhasse de costas e sem aviso, nos rasteirasse no nossa desatenção.
É claro que vamos viver com os pecados que neste Agosto nos sobressaltaram, e durante muito tempo.
Sejam os resquícios da história do banco que, num dia era sólido como uma rocha e onde valia a pena investir, e no dia seguinte fraquejou, se veio abaixo das canetas e, por isso, salomonicamente, foi dividido em dois: o banco mau e o banco bom, céu e inferno no mesmo corpo, que a bi-polaridade também habita a grande banca e os bancos da nossa infelicidade.
A decisão de partir o banco ao meio, em duas metades, a sã e a podre, não lembrava nem ao menino Jesus. Deve ser isso a que se chama engenharia financeira criativa. Empreendedorismo financeiro. Não sei. E sobretudo não sei, não consigo perceber, porque é que mesmo na metade sã é necessário injectar quase cinco mil milhões de euros. Mas, não está sã? Ou a sanidade é uma coisa em abstracto, volátil como o juízo? Se é assim com a metade boa, imagino o escarcéu que não vai na metade má. Deve ser o inferno na cave do inferno.

Esperar para ver. E para pagar.