para o fundo
Os
programas das televisões nacionais, de todas sem excepção, nas longas manhãs e
tardes de todos os dias, fazem lembrar o Majestic. Não o emblemático café da
rua de Santa Catarina, no Porto, não. Mas sim o barco do mesmo nome, i tal que
era sólido, que nunca afundava conforme rezava a publicidade. E afundou. Só que
sem o chique que era viajar em tamanha embarcação, que mesmo afundando mercê de
um choque com um icebergue, e com a anarquia quase absoluta instalada no barco,
com toda a gente procurando um derradeiro bilhete que desse acesso a um bote
salva vidas, mantinha, ainda que não bem eufórica, a orquestra a tocar. Era
música de fundo no caos que mesmo não o corrigindo ou organizando, dava um ar
de coisa normal, de coisa habitual, ao exercício. Bem entendido que as canções
tocadas eram completamente diferentes das que hoje ouvimos nas televisões nacionais.
As de hoje são tenebrosamente pimba, e atiram para os píncaros, os emanueis e
quim barreiros desta vida, para o altar dos catedráticos, o olímpio dos
músicos, tão baixa é a qualidade musical das obras que agora lá se apresentam.
O que é facto comum, é que o barco, como o país, afunda a cada minuto que
passa. Pode ver-se menos ou mais
nitidamente, dependendo do sítio onde todos estamos. E um dia destes
iremos ser culpados pelo afundamento, porque não soubemos ajudar a tempo,
lançando-nos para a morte gelada, e num patriótico salto, alijando peso e
lastro que proporcionariam mais uns minutos de flutuação ao barco perdido,
juntarmos-nos ao grupo dos mártires da pátria, como nome de rua e tudo.
Os sinais
estão aí, todos perfeitamente identificáveis. Os valores que deviam organizar a
vida dos humanos, são facilmente convertidos numa outra coisa qualquer, e mesmo
pensando o contrário do que sabemos dever ser feito, acabamos fazendo o que
achamos errado só porque acima de nos está o bem comum, mesmo que, sem o
sabermos, esse bem comum é, final e estrategicamente, o bem de apenas meia
dúzia. Que se lixe o mexilhão.
Sem que o
saibamos, até porque entretanto se perderam os papéis que os inculpam, os
maiores já não estão no barco, já saíram, apenas cá estão uns quantos,
marionetas desses outros. Enquanto uns quantos privilegiados lutam por um lugar
no bote, os maiores já saíram de helicóptero, já estão noutras embarcações que
os aguardavam, que tinham por missão aguardar a sua chegada, porque apenas são
plataformas para outros caminhos, outros salvamentos, outras vidas.
Neste
entretanto, a orquestra continua a tocar. Mas tão mal, tão tacanhamente, que
mete deveras medo, um medo aterrorizador. A morte em tão má companhia. O
inferno na terra.
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