quarta-feira, fevereiro 04, 2015

primeira crónica do ano

De terrível para a cultura e para o teatro em particular, o facto provado do orçamento de estado apostar num desinvestimento absurdo nestas áreas, arrastando o pensamento e as práticas criativas para níveis nunca antes vistos.
Ora, acontece que sempre que julgamos que tocamos no fundo, e mesmo tocando efectivamente nesse putativo fundo, nunca estivemos verdadeiramente no fundo, mesmo estando. Não sei explicar melhor esta sensação, mas é coisa para ter ancoras na expressão popular que diz, tantas vezes, que "mais baixo não podemos descer". Ora, a prática, está sempre a contrariar, a expressão popular. Há sempre mais um degrau a caminho do inferno, que podemos percorrer. Há sempre um fundo mais fundo. O humano tem esse poder, essa capacidade, que extrapola o que julgamos que ele é capaz de fazer: alterar o real mesquinho e torná-lo mais mesquinho ainda.
Bem-vindos ao mundo real.
O panorama teatral do país, apesar do forte constrangimento vivido nestes últimos anos e, particularmente, em 2014, (talvez seja mais justo dizer, "apesar do jugular estrangulamento"), conseguiu, ainda assim, produzir alguns espectáculos deveras interessantes. Eu vi uns, e falaram-me de outros. O processo de internacionalização das artes performativas nacionais, prosseguiu o seu caminho. Importa dizer que é o caminho do Portugal dos pequenitos, com todo o respeito e admiração pelos que estão a fazer esse caminho, mas é caminho de terra batida. O largo mundo da itenerância à séria, sustentada, profissional, ainda nos está vedado. Ainda só cheiramos o pó dos caminhos, que, às vezes, passam ao lado, (ao ladinho, mesmo), das auto-estradas de uma outra internacionalização onde, amargamente, ainda não pomos o pé. Mas, ainda assim, lá vamos, pobretes mas honrados, fazendo o nosso caminho, mesmo que artisticamente não fiquemos atrás do que as grandes estruturas, fortemente sustentadas por estados menos cegos (e, já agora, mais investidores) vão planeadamente fazendo.
Para este ano que agora começa, talvez destaque o facto de chegarem ao poder artístico de algumas estruturas, alguns do jovens criadores nascidos já depois do vinte e cinco de abril. O teatro nacional D. Maria II, por exemplo, vê sair o histórico Joao Mota, um nome de referência do teatro português, director da histórica Comuna e, em seu lugar, vê ascender à cadeira da direcção artística, Tiago Rodrigues, que há muitos anos, jovenzito ainda, esteve aqui, nestes estúdios (da RUM), a explicar a sua ideia de teatro, creio que imediatamente antes (ou acabado de regressar, não tenho a certeza) de embarcar numa aventura (épica), nas florestas bolivianas e num festival de teatro zapatista.
Esta ascensão, é uma esperança. Não menosprezando o trabalho de João Mota, repare-se, que o estado português, e o secretário de estado da cultura, entendeu não reconduzir. Mas, por outro lado, aos jovens compete ir assumindo a sua responsabilidade. E a maior de todas é, com mais meios, aprofundarem tudo aquilo que de bom vão pensando e construindo, aprofundando-o se possível, com uma visibilidade diferente, contaminando de entusiasmo os seus pares.
E é, efectivamente, de entusiasmo, entre outras coisas bem mais materiais, que os artistas portugueses precisam. E de uma outra política. Este ano há eleições, bem entendido. Pode ser que, por isso, alguma coisa mude. Francamente creio que não, que nada mudará, apesar de o desejar veementemente. Acontece que, apesar de ter a Liberdade com o bem mais importante, (essencial mesmo, entre os valores essenciais à humanidade), contraditoriamente, a minha crença na democracia está pela hora da morte. Com amargura violenta, vou descobrindo, cada vez mais nitidamente, que uma coisa e outra não estão ligadas, e isso desconsola-me.

Por isso estou expectante p.b., mas sem grandes esperanças.