casa dos segredos da justiça
Foi um
verdadeiro tremor de terra, este que acossou o país na sexta-feira da semana
passada, no preciso momento em que uns quantos policias foram buscar ao avião
acabadinho de aterrar, um ex primeiro ministro de Portugal, levando-o detido
para o tribunal de modo a, identificando-o formalmente, o constituírem arguido
num processo complexo, cujos primeiros passos terão sido dados nos dias
seguintes, com o país liquido pendurado nas televisões, ora vislumbrando umas
sombras através de um cortinado curto para corpo tão largo, ora perseguindo e
espreitando para dentro de carros, e fazendo o exercício do reconhecimento de
outros detidos (e algemados), adivinhando processos, percursos, intenções.
Por estes
dias, a justiça parece ter-se transformado num programa de televisão, mas dos
manhosos, uma espécie de reality show judiciário. Não sendo propriamente
culpados os seus agentes protagonistas, mas não conseguindo escapar à
comparação e, mesmo, pouco ou nada tendo feito para obviar isso mesmo, o
exercício da justiça, com os seus intrincados caminhos, é pasto propício para a
degustação alarve da colectividade em coma pronunciado. Mesmo as personagens
envolvidas são criaturas cheias de sumo: ora é o advogado goez de língua fácil
e afiada a trazer o picante para a rua do espectáculo, ora o super juiz do
processo apanhado em procissões nocturnas pela câmara de vídeo do amigo.
Durante
horas seguidas, as televisões acompanharam todos os pretensos passos da
justiça; os comentadores adivinharam todas as possíveis respirações; experts da
criminologia intuíram e anteciparam (normalmente mal) todos os trâmites legais;
todos os sorrisos ou esgares de José Sócrates foram escrutinados e
interpretados por especialistas do mal; jornalistas de investigação derramaram
todas as anotações dos blocos de apontamentos por onde todos andaram a copiar;
políticos vieram assumir a vingança e, com ela, o sangue que desejaram; e
jornalistas desaparecidos das primeiras páginas, regressaram à polémica como se
nunca de lá tivessem saído.
Teremos novela
por muitos meses, senão mesmo nos próximos anos. Na verdade, uma novela que
ameaçava, e que já tinha tido umas quantas gravidezes histéricas e há que
tempos. Que José Sócrates, enquanto teve poder, sempre soube alijar, sacudir do
capote, molhando-se nesta ou naquela poça de água, mas nunca se constipando.
Agora a gripe caiu-lhe em cima. Se calhar com justiça, logo veremos. Não apenas
a gripe, mas uma espécie de legionella mortal abateu-se sobre a sua capacidade
pulmonar, e agora dificilmente escapará à purga. Por mais sorrisos que lance ao
cruzar-se com uma câmara, agora sabe-se, é público, que padece da doença.
O incrível
na história da infestação, é sabermos nós que as torres de refrigeração - que
não tiveram manutenção e que, consabidamente, são foco da contaminação - não
podem ter tocado apenas aquela criatura. O território político está
contaminado. Sabemo-lo há muito tempo. E contaminado de forma mais ou menos
democrática. O poder corrompe. E as histórias de corrupção sucedem-se. Portugal
é uma vila franca, e o termómetro, como o algodão, não engana. A doença foi
espalhada, disseminada pelo ar político e, por isso, aguardamos agora o anúncio
dos próximos casos. A lista completa dos contaminados. Se mais ninguém se
chegar à frente, é porque a mentira continua.
O que nos
vale, é que voltou o futebol.
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