quarta-feira, fevereiro 04, 2015

je suis charlie?

Dependendo do ponto de vista, da simpatia e do grau de engajamento, cerca de um, dois ou três milhões de pessoas, manifestaram-se em Paris, (tb já ouvi falar em seis) declarando-se unanimemente Charlie. Juntos, quase a uma só voz, gritaram loas à liberdade de imprensa e, antes dela, à liberdade tout court, valor maior que todos afirmaram querer defender, por ser, no seu entendimento, esse valor, uma coisa essencial à democracia.
Foi uma manifestação incrível. Tamanha mobilização de pessoas era algo que já não acontecia em temos que vão para lá da memória. Pela liberdade, lá está.
A verdade é que, dois dias depois, era notícia em alguns jornais parisienses, a prisão de 54 pessoas, por defenderem valores que as associam ao chamado terrorismo, epíteto que usamos para classificar os que não pensam como nós e que estão do lado de lá da barricada em que, assumidamente, nós nos enfiámos. Terroristas porque espalham o terror. Nesse sentido, epíteto bem ajustado.
Eles, aqueles a quem nós chamamos terroristas, chamam-nos o mesmo, provavelmente com razão, porque com os nossos impostos, pagamos as mortes indiscriminadas que as forças ocidentais vão somando naqueles lugares distantes da Síria, do Afeganistão, do Iraque, e por aí fora: crianças, mulheres, velhos, militares e etc caem que bem tordos. Há para não dará dos milhões em trânsito, que se refugiam onde podem, perdidos e achados no meio da ponte, como tolos, entre as forças em confronto. Só que a isso nós chamamos, às vezes, quando somos apanhados, danos "co-laterais". Aliás, conseguimos melhor, na guerra da adjectivação, dizemos que foram abatidos por "fogo amigo". Sempre fica algum consolo.
É curioso como antigamente, também nós, os portugueses, apodávamos os guerrilheiros da liberdade angolana, moçambicana, guineense e de outros povos e nações, de "turras", qualquer coisa que resultava da soma de "terrorista" (que também lhes chamávamos) com, porque eram nativos, isto é pretos, "queimado, estorricado", numa óbvia alusão à cor da sua pele.
Mas voltemos ao nosso assunto:
54 criaturas presas 0em franca, dois ou três dias depois da imensa manifestação em defesa da liberdade e mais especificamente, da liberdade de imprensa, porque disseram o que pensaram em colunas de opinião e etc e manifestaram simpatia pelos actos recentemente acontecidos do elos seus protagonistas homicidas e mortos.
Não me consta que tivesse havido alguma manifestação, alguém que se solidarizasse com este óbvio atentado à liberdade.
Obviamente. A liberdade é bandeira muito bonita, se estiver alinhada com os nossos interesses. Em abstracto, pode ser uma excentricidade que importa desbastar.
Aliás, passados mais dois dias, nem uma semana depois da manifestação, num inquérito levado a cabo por alguns jornais, cerda de metade das pessoas inquiridas, manifestaram-se partidários de restrições à liberdade de imprensa, de modo a preservar a democracia. Ou seja. Uma democracia alicerçada na mordaça, no respeitinho que é muito bonito...

De certeza, certezinha, por mais manifestações que se façam, desconfio que a liberdade NÃO está a passar por aqui.