VEM
Da
história bíblica conta-se, recordar-se-ão, de entre tantos outros, aquele
episódio dos irmãos desavindos, Abel e Caim, assim se chamavam, que por ciúmes
e, certamente, tédio, se engalfinharam numa luta até à morte, porque Deus
aceitava o sacrifício de um e desprezava o do outro. Diz-se a dado passo no
Livro dos Livros, que a simpatia de Deus resultava do facto de um dos irmãos
oferecer os melhores espécimes da sua produção, enquanto o outro mandava para o
altar do sacrifício o que menos falta lhe fazia e, pior ainda, o que não tinha
préstimo.
Resultado:
Caím, roído de ciúmes e despeitado, matou Abel e fugiu à ira divina, sabe-se lá
para onde, para um estrangeiro qualquer, longe do braço da justiça divina e, mais
humanamente, longe do castigo dos pais, Adão e Eva, derrotados perante a perda
de um filho.
Esta
deve ser a primeira estória sobre irmãos desavindos que consta na grande história
da humanidade, mesmo dando de barato que o mais provável é que não tenha
acontecido.
Depois
desses tempos, histórias acerca de irmãos desavindos é o que mais temos vindo a
contar, e a ouvir contar.
Uma das
últimas diz respeito aos irmãos russo e ucraniano, que têm vindo a dirimir
entre si parte da herança comum, terras, mares e culturas, e cuja desavença teve
hora marcada para terminar: o dia 15 de fevereiro passado, à meia-noite. Faz agora
um mês. Nesse
dia deveria cumprir-se o início do cessar-fogo negociado.
Ora,
iniciar um cessar fogo, como todos, creio, com hora e dia marcado, é no mínimo
bizarro. Faz-me impressão a leveza com que agora nos odiamos e, no momento seguinte, deixamos de nos
odiar. “Desodeio-te às tantas horas do dia tal, combinado”? Verificar-se-ia
pouco tempo depois, que a hora marcada para o grande acontecimento era apenas a
primeira das mil patranhas negociadas. E por isso, no intervalo que medeou o
fim da negociação e o cessar-fogo, ninguém se deu ao trabalho de limpar o
sangue das ruas, nem tirar o pó dos cadáveres jazentes no espaço público. Isto,
porque ninguém acreditou na bondade da negociação. Muito ódio corria debaixo
das pontes dos rancores locais, tanto-tanto que continua a correr. Não é um
relógio qualquer que estanca o rio do desamor. E nem sequer a violência
aumentou, como é costume nestas ocasiões, aproveitando os beligerantes as
últimas horas de hostilidade oficial, para limpar o sebo a quem interessava que
desaparecesse de circulação. Nem isso, porque não era preciso.
Irmãos
desavindos uma vez, irmãos desavindos para sempre.
Olhemos,
agora, por um momento, para o caso português.
Passos
Coelho aconselhou um dia o seu irmão anónimo que emigrasse, porque aqui a coisa
estava preta. E o irmão, quer dizer, os irmãos, emigraram. Aos magotes. Entre
2010 e 2013, oficialmente, 173 mil irmãos de Passos, e meus já agora, fizeram
as trouxas e bazaram lá para fora.
Agora,
para provar que o pior já passou, que a crise é passado, Passos desenhou um
programa que, com pompa, anunciou. Designado por VEM, petit nom para VALORIZAÇÃO DO EMPREENDEDORISMO EMIGRANTE,
pretende receber pelo menos 50 emigrantes que há uns meses saíram
miseravelmente daqui, na qualidade de empresários e, portanto, patrões. São 50
os projectos empreendedores financiados, e o estado investirá entre 10 e 20 mil
euros em cada um deles. Uma fortuna, portanto.
Dando de
barato o nome escolhido para o programa (quem é que inventará estes nomes?),
Passos insiste em fazer mal as contas. É que cumprido o programa, e pensando
que haverá dois portugueses por projecto, (um casal por exemplo, pelo menos
ficam com dinheiro para um longo e higiénico cruzeiro), terminado o programa,
ainda faltará fazer regressar - VEM EMIGRANTE, VEM - 172 mil e novecentos
portugas.
Passos,
porém, conta que as contas fiquem saldadas.
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