quarta-feira, fevereiro 18, 2015

carnaval 2015

Ontem, lá fui festejar o carnaval. Aproveitei o dia de tolerância de ponto - somos todos muito tolerantes, muito democráticos, muito isto e aquilo, não somos? - e assim sendo, lá fui marcar o ponto. Até me mascarei e tudo. Andei uma data de tempo a pensar que figura assumiria este ano e, finalmente, resolvi mascarar-me de Varoufakis, o ministro grego que, por esta altura, juntamente com o primeiro ministro helénico, é uma das figuras mais em voga. Ainda pensei rapar o cabelo como ele mas, depois, lembrei-me que já dera para esse peditório e, pior ainda, com a idade que já tenho, nada me garante que o cabelo volte a nascer como antigamente. O melhor era estar quietinho. E se melhor o pensei, melhor o fiz. Pus só o cachecol. Um cachecol igual ao que Varoufakis usou para delírio da Europa, e lá fui para a festa.
Pensava eu que ia ganhar o prémio da originalidade e, cheio de desilusão, constato que o cachecol, esse mesmo adereço que tão afanosamente procurei, era o adereço que os manifestantes pró-Grécia usaram numa manifestação em Lisboa. E ainda não era carnaval.
Caiu-me a alma aos pés.
Abro aqui um parêntesis para dizer que, na minha vida, já estive mais próximo da prática religiosa. E já estive mais afastado. Na verdade, eu deambulo constantemente entre cá e lá.
Isto para dizer que a presença da alma é uma das grandes dúvidas que me assaltam. Não sei o que é, onde fica e, contudo, sei que há qualquer coisa de energia em mim que vai para além da matéria que sou. Porque há qualquer coisa que, de vez em quando, cai aos meus pés e prova, creio eu, a existência dessa coisa a que chamamos alma, na falta de melhor definição.
Eu dou por ela muito poucas vezes. Quase nunca. Só quando, em situações mais ou menos limite, ela me cai aos pés. Como agora, quando vi tanto cachecol no pescoço dos manifestantes.
Na queda, a alma faz quase sempre um chinfrim do caraças, como se fosse um animal ferido e, depois, é muito difícil de voltar a arrumar dentro de mim. Ela fica num sítio qualquer à sua escolha até à próxima queda. As vezes faço-lhe uma festa antes de a sorver, outras vezes nem por isso.
Não posso usar sacos de plástico para melhor a acondicionar, porque fica muito caro. Cada saquinho custa dez cêntimos. Ai se eu soubesse o que sei hoje... não tinha usado no lixo, os sacos de plástico do pingo doce, isso não. Tinha-os dobrado muito bem dobradinhos e guardado num cofre seguro e hoje estava rico, de certeza. A dez cêntimos cada um...
Mas voltando à alma. Como não posso acondiciona-lá em sacos, deixo-a a arejar algures dentro de mim, livre com um ser despido, esvoaçando de cá para lá, isto na suposição de que a alma esvoaça, o que não tenho a certeza. Se calhar é um animal acossado pelo medo, encolhido num tendão qualquer, numa articulação recôndita.
Outras vezes, quando não cai, mas treme, sinto-a (lá está) a estremecer.
A última vez foi esta semana, creio, quando o Papa Francisco, que funciona como uma espécie de Syriza no Vaticano, mas antes do Syriza, disse, aconselhando os novos cardeais, a não apenas andarem mais próximos das suas ovelhas, mas também a cheirar como elas.
Bom o que ele queria dizer, é mais ou menos óbvio.
Mas num momento seguinte foi mais longe e, demonstrando um conhecimento que deve ser apenas teórico, aconselhou os homens que agora vestem de vermelho púrpura, a não embarcar em euforias e honrarias. A vaidade da roupa encarnada não pode fazer-se sentir na prática evangélica. Isso seria pior, disse, que bebedeira de aguardente em jejum.
Todos percebemos, não é verdade, mesmo que poucos saibamos exactamente, o que é que isso quer dizer. Mas não deve ser coisa boa, de certeza, e deve dar uma ressaca levada da breca.
A minha alma estremeu, mas não caiu.

Estados da alma.