carnaval 2015
Ontem, lá
fui festejar o carnaval. Aproveitei o dia de tolerância de ponto - somos todos
muito tolerantes, muito democráticos, muito isto e aquilo, não somos? - e assim
sendo, lá fui marcar o ponto. Até me mascarei e tudo. Andei uma data de tempo a
pensar que figura assumiria este ano e, finalmente, resolvi mascarar-me de
Varoufakis, o ministro grego que, por esta altura, juntamente com o primeiro
ministro helénico, é uma das figuras mais em voga. Ainda pensei rapar o cabelo
como ele mas, depois, lembrei-me que já dera para esse peditório e, pior ainda,
com a idade que já tenho, nada me garante que o cabelo volte a nascer como
antigamente. O melhor era estar quietinho. E se melhor o pensei, melhor o fiz.
Pus só o cachecol. Um cachecol igual ao que Varoufakis usou para delírio da
Europa, e lá fui para a festa.
Pensava eu
que ia ganhar o prémio da originalidade e, cheio de desilusão, constato que o
cachecol, esse mesmo adereço que tão afanosamente procurei, era o adereço que
os manifestantes pró-Grécia usaram numa manifestação em Lisboa. E ainda não era
carnaval.
Caiu-me a
alma aos pés.
Abro aqui
um parêntesis para dizer que, na minha vida, já estive mais próximo da prática
religiosa. E já estive mais afastado. Na verdade, eu deambulo constantemente
entre cá e lá.
Isto para
dizer que a presença da alma é uma das grandes dúvidas que me assaltam. Não sei
o que é, onde fica e, contudo, sei que há qualquer coisa de energia em mim que
vai para além da matéria que sou. Porque há qualquer coisa que, de vez em
quando, cai aos meus pés e prova, creio eu, a existência dessa coisa a que
chamamos alma, na falta de melhor definição.
Eu dou por
ela muito poucas vezes. Quase nunca. Só quando, em situações mais ou menos
limite, ela me cai aos pés. Como agora, quando vi tanto cachecol no pescoço dos
manifestantes.
Na queda, a
alma faz quase sempre um chinfrim do caraças, como se fosse um animal ferido e,
depois, é muito difícil de voltar a arrumar dentro de mim. Ela fica num sítio
qualquer à sua escolha até à próxima queda. As vezes faço-lhe uma festa antes
de a sorver, outras vezes nem por isso.
Não posso
usar sacos de plástico para melhor a acondicionar, porque fica muito caro. Cada
saquinho custa dez cêntimos. Ai se eu soubesse o que sei hoje... não tinha usado no lixo, os
sacos de plástico do pingo doce, isso não. Tinha-os dobrado muito bem
dobradinhos e guardado num cofre seguro e hoje estava rico, de certeza. A dez cêntimos
cada um...
Mas
voltando à alma. Como não posso acondiciona-lá em sacos, deixo-a a arejar
algures dentro de mim, livre com um ser despido, esvoaçando de cá para lá, isto
na suposição de que a alma esvoaça, o que não tenho a certeza. Se calhar é um animal
acossado pelo medo, encolhido num tendão qualquer, numa articulação recôndita.
Outras vezes, quando não
cai, mas treme, sinto-a (lá está) a estremecer.
A última vez foi esta
semana, creio, quando o Papa Francisco, que funciona como uma espécie de Syriza
no Vaticano, mas antes do Syriza, disse, aconselhando os novos cardeais, a não
apenas andarem mais próximos das suas ovelhas, mas também a cheirar como elas.
Bom o que
ele queria dizer, é mais ou menos óbvio.
Mas num momento
seguinte foi mais longe e, demonstrando um conhecimento que deve ser apenas
teórico, aconselhou os homens que agora vestem de vermelho púrpura, a não
embarcar em euforias e honrarias. A vaidade da roupa encarnada não pode
fazer-se sentir na prática evangélica. Isso seria pior, disse, que bebedeira de
aguardente em jejum.
Todos
percebemos, não é verdade, mesmo que poucos saibamos exactamente, o que é que
isso quer dizer. Mas não deve ser coisa boa, de certeza, e deve dar uma ressaca
levada da breca.
A minha alma estremeu, mas
não caiu.
Estados da alma.
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