quinta-feira, janeiro 24, 2013

o lanç(e)ado...


Lance Armstrong, o ciclista que tem nome de astronauta, foi ao programa da Oprah, e falou.
Durante não sei quanto tempo, respondeu simplesmente com um sim ou com um não, às perguntas que a senhora - certamente de forma negociada com ele - tinha preparado.
E às coisas essenciais, como se cantaria na velha cantiga, no canto do sim, dobrou. Que sim, que se tinha dopado. Que sim, que ganhou fraudulentamente as não sei quantas voltas a frança em bicicleta em que conseguiu chegar em primeiro. Que sim, que fizera batota. Que sim, etc e tal.
O amarelo das camisolas, ficou pálido.
Nas entrelinhas das respostas encenadas, vislumbrou-se uma resignação dolorosa, de quem se sabia encurralado e preso, pescado solitariamente do meio de um cardume alterado, peixes montados em bicicletas topo de gama. Fisgado, olha os tubarões que continuam a correr como se nada fosse. Enquanto diz sim, encolhe os ombros e, mesmo não o dizendo, afirma, qual Calimero, que é uma injustiça, yes it is.
No caso do ciclismo, podemos interrogar-nos se ele estaria, de facto, sozinho nessa batota, se ele seria o único metido até ao pescoço no caldeirão mágico da força extra. E como eu o compreendo... O esforço dos ciclistas é medonho, caramba. Custa-me a acreditar que apenas armados duns calçõeszinhos de licra aerodinâmicos e uns óculos psicadélicos, os ciclistas corram sem aditivos, sofrão sem inibidores de dor. Que eu vejo, como alguns amigos que conheço, as provas da volta a frança, que é a maneira de viajar sem sair do sofá, e as montanhas quando empinam, são adamastores que metem medo ao susto.
Mas seja como for, sozinho ou acompanhado, Armstrong estava pré-aquecido, ganhou, mas não valeu.
Infelizmente, neste rectângulo, não há uma Oprah que nos salve, que enfie no cadeirão da inquisição política, algumas das personas lusas que também têm as mãos aquecidas por luvas alheias, as frieiras amaciadas com as pomadas certas, as unhas untadas e sem lascas...
Importava que alguém fizesse a nossa defesa, Oprah que seja, já que nós próprios estamos muito pouco interessados, ou pelo menos muito pouco disponíveis, para resolver a nossa vida.  Ou então estamos satisfeitos, o que também é uma possibilidade perfeitamente possível, país de brandos costumes, já dizia não sei quem.
Uma Oprah que encostasse às cordas uns tantos que nós conhecemos bem, da política mas não só, e os fizesse desfiar o terço dos sins, até que chegássemos ao não final e definitivo.
Mas como dizia o outro: sonhar é fácil.

da RUM


Um dia, há muitos anos, quando a Companhia de Teatro de Braga estava a fazer espectáculos na antiga Casa Penhorista, eu, acabado de chegar a braga para integrar os quadros desta estrutura, comecei a frequentar o bar e, por esta via, a Associação Académica da Universidade do Minho, que vivia paredes meias com a casa de penhores, e o café Estrela, onde as meninas e senhoras putas de Braga iam beber galões para se aquecerem às mais variadas horas do dia.
Num sítio interior da Associação Académica, para lá do bar e demais salões, havia a rádio.
Poucas coisas estavam disponíveis naquele espaço: uns discos esparsos, giradiscos, pois, umas cadeiras, um microfone e, do bar, as cervejas frequentes e fresquinhas que, chegadas, empurravam a música teimosa que teimosamente jorrava sempre à mesma velocidade e, amiúde, tropeçava nos mesmos vincos viciados do vinil. O emissor já não emissionava, apenas se ouvia música, a que havia e a que alguém, uma vez por outra levava. E havia o sonho de um novo estúdio em Santa Tecla, que tornasse a rádio numa coisa séria, mesmo que independente dos gostos mais prapulares, mais despudoradamente comerciais.
E assim, enfiado neste caldo, também eu fui crescendo, entre uma cerveja e uma cabeçada mais vigorosa nas traves curtas do estúdio na Afonso Henriques, e, pouco tempo depois, nas noites ligadas aos dias em Santa Tecla, onde uma outra rádio estava a nascer, militante, cultural, empenhada, imensamente livre.
Nesses estúdios, durante anos, entrevistei dezenas de pessoas, centenas talvez. De todos os quadrantes politicos, culturais, académicos.
Assim de repente, Álvaro Cunhal, Luís Marques Mendes, José Saramago, Sérgio Machado dos Santos, Luís Novais, Álvaro Santos, Mário Barradas, Carvalho da Silva, José Walleinstein, Ana Luísa Guimarães, Jorge Palma, Diogo Infante, João Reis, Fernando Candeias, Rui Madeira, Marina Albuquerque, Amélia Varejão, José Mário Branco, Mesquita Machado, Jerónimo de Sousa, Manuel Vasques Montálvan, José Manuel Mendes, Luís Miguel Cintra, Jorge Silva Melo, João Lóio, Francisco Louçã, Paul Thessyer, José Pedro Gomes, Manuel Alegre. António Feio, Miguel Guilherme, José Craveirinha, Serge Regianni, Jorge Amado, Manuel António Pina, Canto e Castro, Isabel de Castro, Maria de Medeiros e tantos tantos mais.
Sexta-feira tornaremos a encontrar-nos. 
Às 15h.
Aqui, nos noventa e sete ponto cinco. Em Santa Tecla.

a princesa, a enfermeira e o hospital


Dois radialistas, no reino unido, pelos vistos (ou melhor, pelos ouvidos) australianos, resolveram divertir-se e divertir os seus ouvintes, ligando telefonicamente para o hospital onde estava internada a princesa grávida, e fazendo-se passar por sua magestade a rainha mai-lo seu filho e eterno futuro rei de inglaterra, lograram enganar uma enfermeira com nome a soar a português, Jacinta Saldanha, que lhes contou, e por eles a todo o auditório uma vez que a chamada telefónica estava a ser gravada, o melhor horário para que visitassem a princesa, e o seu estado físico e anímico.
Na verdade, nada de especial aconteceu.
Apenas uma partida inocente, na qual caíu uma enfermeira pouco expedita, que perante a possibilidade de estar a falar com a família real e, mais, com a figura maior da monarquia inglesa, sucumbiu ao charme do poder, mesmo que o poder fosse falso.
Aqui na pátria lusa, tantas vezes que isso já aconteceu, tantas vezes que tantos já se fizeram passar por outras pessoas em que nada de especial acontecesse. Olhem, veja-se o caso no senhor Baptista...
No que este caso difere dos outros, é o facto da senhora, sentindo-se ludibriada, e com ela a estrutura hospitalar que no momento representava, se ter suicidado numa rua próxima ao hospital onde laborava, deixando família e filhos.
Que estranho rebate de consciência terá vibrado naquela mulher que a levou à dramatização absoluta, corrompendo a própria vida, em resposta a um logro em que, infantilmente, se deixou enredar?
Os animadores radialistas australianos em entrevista recém produzida por uma estação de televisão, e em lágrimas, pediram desculpa, argumentaram que não era intenção sua melindrar quem quer que fosse, convencidos que estavam que a sua brincadeira seria desmontada nas primeiras palavras que eles proferisem, tamanha discrepância havia entre os sons que das suas bocas saíam, e os sons que eles queriam imitar.
A enfermeira é que não esteve pelos ajustes e acreditou piamente que, do outro lado da linha, estava realmente sua magestade.
O mundo às avessas.