quinta-feira, março 24, 2011

crónica dita ontem na RUM

A queda anunciada do governo parece ir acontecer durante o dia de hoje, mais hora menos hora, logo que o PEC seja desaprovado, ou reprovado, na Assembleia da República, e inviabilizar mais um putative gesto de condescendência democrática, que é o que tem sido esta ligação entre o complexo aparelho democrótico e o governo socretista, erguida muito mais (tanto, tanto mais) sobre mesquinhos interesses individuais e partidários, e menos, (muito muito menos), por razão que dos superiores interesses nacionais.

Quero com isto dizer que o prolongamento da agonia do governo se deveu (e se deve ainda, pelo menos até à demissão) a razões de egoísta calculismo eleitoral, à estratégia partidária, empenhada em encontrar o momento certo para forçar a queda do governo, o momento que menos onere a sua prognosticável performance eleitoral, e o líder certo para construír a alternativa, o fulano com carisma, bem apresentado, bem falante, impositivo, mesmo que papagaio apaparicado, boneco manipulado por mão ventríoloca. E mesmo que se veja a mão que manipula, que liga o boneco à autêntica mão, à mão que dirige, que empunha a batuta, que se lixe. Logo que devidamente imposto, estará feita a batota. O rei morreu, viva o rei, mesmo que à luz do mais empedernido republicanismo

Aparentemente, esta carapuça serve na perfeição a Passos Coelho, num país cuja dança do poder se resume a duas cadeiras e a dois cabides. Mas, atenção, esta apreciação quer fazer-se no abstracto e não no concreto politico da realidade nacional.

Passos Coelho esperou com paciência o momento certo, e está prestes a aproveitar o flanco que Sócrates está cansado de lhe apresentar. Dia após dia, Sócrates mostrou-se ao touro (peço desculpa pela brutalidade da imagem taurina…), gritou, dançou marialva à sua frente, fez caretas, e o touro foi encontrando sempre uma razão para desinvestir, para procurar outro alvo, outra razão onde afirmar a sua atenção. E Sócrates foi-se aproximando do animal. Um passo a seguir ao outro. E cada vez mais perto, ao ponto de poder saborear o hálito do bicho, tornou a gritar num berraria incontornável: eh Coelho lindo, eh eh! Passos Coelho não podia resistir mais à vozearia. Ali estava o primeiro-ministro a expôr a barriga frágil, quase ao alcance da sua investida armada. Se não investisse, diriam dele que seria o que ele nunca desejou ser, ou mesmo, parecer. E agora, aí está ele, a correr desalmado ao encontro do corpo que se ofereceu em desespero.

A estrategista pega poítica a que se está a assistir consumar-se-à, ou não, dependendo de vários factores. O forcado da cara ainda pode abortar a reunião; pode saír disparado da cara do bicho por força do impacto; pode segurar-se à cabeça do animal com galhardia e aguentar as investidas brutas; os restantes forcados podem ser uma boa ou uma má ajuda; podem estar mais longe ou mais perto do forcado da cara (Luís Amado parece estar longe… Teixeira dos Santos, ausente…); e, finalmente, o inteligente (que na metáfora croniqueira é o presidente da república), pode ou não deixar entrar as chocas, conceder ou não a volta de honra ao forcado, fazer o jogo deste ou inviabilizar a jogada do outro.

E que palavra terão os restantes elementos da tourada? O bandarilheiro Louçã? O garboso campino Portas? O rabejador Jerónimo? E o director de corrida alemão? E o ganadeiro da banca? E o apoderado do mercado?

quinta-feira, março 10, 2011

festival...

Os Homens da Luta vão representar Portugal no Festival da da EuroCanção. E esta é a notícia.

O Festival, e isto é um facto indesmentível, tem vindo a perder importância, impacto, imponência. E este ano não foi excepção. Não prometia nada de novo. Era o chamado ‘mais do mesmo’: o mesmo distanciamento estético e popular; mais boçalidade criativa.

Porém, este ano, alguma coisa mudou. Não de propósito, estou em crer. Não na importância musical de coisa, eixo fundamental do acontecimento, mas na sua moldura.

Bem, o que é facto consabidamente assumido é que não conseguimos nada na eurovisão ao longo dos anos, e têm sido tantos, (embandeiramos em arco com um oitavo lugar, veja-se), com a série de canções que para lá enviamos, ora medíocres ora geniais, mais as primeiras que as segundas diga-se, canções perfeitinhas, pois, bem vestidas, mais ou menos convencionais, que seguem uma receita pré-adquirida, com mais ou com menos cavaquinho, dois minutos e meio de rame-rame, com mais ou menos sabor a fado, com o fumo de sardinhas assadas a popular nas últimas sílabas, com jarrinhos de jerupiga a amaciar as cordas vocais, ou outras radicalizando o discurso foleiro…

Este ano, como vinha dizendo, alguma coisa mudou. Usámos o Festival (uso o plural para facilitar a expressão) para levar mais longe o clima de contestação ao Governo, que parece ser o que está a dar, a bombar no sócrates, mas também na europa mal amanhada que não sabe, ou não quer, resolver os problemas com que nos debatemos, nós europeus desiguais metidos em camisas de sete varas igualmente desiguais, mais apertadas umas, mais laças outras, de seda estas, de serapilheira aquelas.

A coisa musical deve ser entendida, digo eu, e neste caso em particular mais do que noutros, como algo absolutamente marginal. O que está em causa não é a canção, que me parece inóqua (depois de uma audição rápida), mediocre mesmo, mas o invólucro. E a qualidade do miolo dele, bem entendido.

Devo dizer que acho graça à dupla que tem vindo a experiênciar algumas das manifestações mais radiciais e corrosivas da contestação política nacional. Num tempo em que priveligiamos o deixa andar, as àguas mornas em vez da turbulência e do confronto, a dupla dos Homens da Luta, Gel e Falâncio, com o seu linguarajar PREC característico, consegue saír da modorra e fazer contrastar aquela manifestação artística pelo humor corrosivo que vai muito para além dele. Que dá voz às inquietações de tantos que, ou por medo ou seja lá pelo que for, são incapazes de emitir som, de ter voz, ou que se demitiram dela, pura e simplesmente. É uma coisa que, sendo humor, é desamor, despaixão, devaneio libertário, posição política, oposição…

Porque este ano o voto foi popular, quer dizer que a canção escolhida foi o resultado da soma dos votos da gente que telefona e escolhe, para lá até das máquinas mais ou menos expontâneas que apelavam ao voto nesta ou naquela canção, e num tempo em que, quando toca para escolher os que dirigem a nação em eleições democráticas, são quase tantos os que votam como os que vão para a paia, um punhado de votantes telefónicos lusos escolheram o partido da corrosão e da oposição verrinosa. Não escolheram propriamente uma canção para a europa, escolheram uma canção para derrubar o governo.

Talvez não seja má ideia fazer, em próximas eleições eleitorais, uma eleição assim. Por televoto.

Sócrates tem razão para sentir as orelhas ainda mais quentes e os pés em estado de patins. Os sinais são mais que óbvios: são rampas.

sexta-feira, março 04, 2011

missa do galo