sábado, julho 30, 2011

duas notas, uma longa e outra breve.

1. A Bobadela que se prepare, porque o fim pode estar próximo. Eis.

Há alguém, num sítio qualquer recôndito e frio da Europa que sabe bem que a Bobadela existe e, mais que isso, tem planos para acabar com a sua existência: através de um ataque bombástico, destruí-la em segundos, a ela e a qualquer coisa de maléfico - um reactor nuclear? - que lá existirá e, num ápice, tirar a vida a, precisamente, uma data de portugueses que, sem saber ler nem escrever, terão demonstrado merecer que se lhes tire a vida, malvados sejam, duplamente malvados, pois se nem consciência têm do mal que fazem ou que fizeram. Ou que nem fizeram, de tão incompetentes que são.

Estes são os números que, à parte a anedota, nos chegam e nos relacionam com o norueguês que, este fim-de-semana, pôs de luto a Noruega. Se é certo que, dos 400 mil mortos que tinha projectado alcançar com a sua máquina de raiva laboriosamente urdida e justificada, apenas logrou conseguir uma quase centena, nem por isso o sinal, mais um, deixa a todos descansados.

A Noruega era, até há uns dias, um lugar absolutamente seguro, e seguro duplamente, quer seja em termos de segurança propriamente dita, da boa, da americana, a que usa metralhadora e botas altas, quer no que respeita à segurança financeira, da verdadeira, a da Moodys, acima de todas as dúvidas, pacata, com as contas em dia e salvaguardadas dos humores dos mercados.

E agora, esta história escabrosa.

Da Noruega se sabia de fonte segura, porque era uma sabedoria feita de lascas altas e saborosas a que, sabiamente, nós portugueses naturais da Bobadela mas não só, juntamos azeite e pepitas de alho, que os bacalhaus não estavam em segurança. Essa insegurança dos bacalhaus noruegueses, traduzida de modo brutal nos pratos dos portugueses, nomeadamente por alturas das festas natalícias, em milhares de espécimes abatidas, faz de nós carrascos de uma parte da Noruega, porque somos - assumidamente somos - os interessados maiores – porque destinatários - da carnificina.

Mas daí a - noruegueses radicais - meterem-nos em listas indesejáveis, vai uma distância considerável.

Da Noruega se sabia, igualmente, que mercê das condicionantes meteorológicas, era um país de gente mais ou menos deprimida, tudo porque a noite dura meses e o dia outro tanto, sendo os ciclos vitais do dia e da noite, uma coisa a seguir à outra e assim sucessivamente, coisa inapropriada, não praticada, dando azo a alguma depressões inevitáveis que, por sua vez, dão origem a suicídios irreprimíveis. Ao mesmo tempo, por ter uma economia saudável e o nível de vida não ser coisa despicienda, a Noruega é um país feliz, talvez também porque os infelizes, ora, se suicidam. Assim também eu.

Mas isso são contas macabras das estatísticas desumanas e não é politicamente correcto irmos por aí.

2. Cavaco manda, nestas férias, ir para fora cá dentro. De acordo. Todos os lugares são bons. Mas é de evitar a Bobadela. Nunca fiando.

quarta-feira, julho 13, 2011

a saúde, o pão, a paz, a habitação, o povo, a liberdade

Cavaco Silva, em viagem até ao Algarve, e a propósito da inauguração de uma nova unidade hospital que apadrinhou, apelou aos privados que participassem na área da saúde sempre que o Estado, manifestamente, nao tivesse capacidade para responder às necessidades.

Esta vontade de alienar serviço e espaço de intervenção, quando se sabe que se há area de intervenção absolutamente fundamental, é precisamente a saúde, mostra o apetite que os privados têm pelo lucro desenfreado, selvagem, pornográfico.

Creio que Cavaco deveria ter dito que, quando o estado não tem capacidade para resolver as questões da saúde portuguesa, deve munir-se das ferramentas precisas para que cumpra esse destino patriótico. Mas Cavaco nunca diria isso a propósito dum território estratégico que desencadeia tantos apetites e salivações.

Há muitos anos atrás, o PSD clamava numa cantiga que, por sinal, ainda é o seu hino, e que curiosamente – sinal irónico dos tempos – se foi escrita por um anónimo, foi composta por Paulo de Carvalho, clamava pela Paz, pelo Pão, pelo Povo e pela Liberdade, enquanto pilares fundamentais da nação que se propunham construír. Era no tempo em que o PSD era social-democrata, um partido de centro-esquerda, que votou favoravelmente a Constituição e visava o socialismo. Como se sabe, a Paz, mormente a paz social, é coisa que já foi e há que tempos; o pão está cada vez mais caro, ainda que agora exista o de centeio, de água, e etc; o povo é qualquer coisa indefenida, onde aparentemente cabem todos na hora de pagar as contas, mas onde apenas alguns partilham o lucro; e a liberdade é uma coisa esbatida, descartável, capricho de uns quantos alienados, com um interesse residual.

Quase ao mesmo temo, na porta ao lado, Sérgio Godinho cantava (e ainda canta) que ‘Só há liberdade a sério quando houver a paz, o pão, a habitação, a
saúde, a educação.’ E acrescentava imediatamente a seguir: 
’Só há liberdade a sério quando houver liberdade de mudar e decidir, quando pertencer ao povo o que o povo produzir.’

A soma das duas cantigas poderia oferecer ao mais indeciso dos cidadãos, o mote para as respostas de que precisamos.

Quando o Estado alienar as conquistas fundamentais e deixar os pilares onde assenta a nossa liberdade, como a liberdade de qualquer povo, em mãos invejosas e desprovidas de sentido social, o melhor mesmo é fechar as portas e fazer o que tantos já apregoam e há que tempos: vender o ultimo dos nossos valores, que não é a saúde, mas a liberdade.

curiosa contradição: uma matiné das duas, às nove e meia da noite

Este fim-de-semana, o Sindicato de Poesia apresenta-se na casa rolão, e apresenta-nos uma reflexão vagamente performativa sobre o cinema.

Desfiar-se-ão, como num rosário breve, uns quantos poemas dos mais diversificados autores, que terão como denominador comum, precisamente o cinema, nos seus muitos presságios e arrepios: ora um poema lidará com a memória de um actor ou de uma actriz, nesta ou naquela valência; ora o poema falará de um filme e da memória que ainda hoje ecoa no poeta; ora tratará de trazer luz a uma memória longínqua de uma ida ao cinema; e por aí adiante, nos calafrios que o cinema nos deixa, a todos os que frequentam as salas escurecidas, nas memórias que nos animam e nos alimentam.

No ano passado, o Sindicato tinha já começado a tratar das artes, iniciando o percurso pela pintura, numa espécie de residência artística no Museu Nogueira da Silva.

O cinema, na impossibilidade de uma cabine de projecção ou de uma sala antiga carregada de história e de memórias projectadas, recolhe-se à Casa Rolão, paredes meias com a livraria Centésima Página, com quem partilha até a porta de entrada, e na encruzilhada dos livros, projecta-se, luz e poeira coada, na tela esmaecida daquele primeiro andar, convocando tantos filmes e tantas memórias quantas as que cabem na capacidade que o Sindicato tem de fazer as coisas, mesmo asim, de forma amadora, palavra que na sua genese significa ‘aquele que ama’.