domingo, agosto 30, 2009

mickael, de máquina; e jackson, de dinheiro

Mickael Jackson vai ser novamente protagonista e objecto de cerimónias fúnebres.
Um protagonista em circunstâncias dispensáveis, dir-se-á, e duplamente: porque está morto, primeiro que tudo; e porque se chorará, outra vez, o falecimento. Tudo com a maior naturalidade, como se fosse normal esconder-se um corpo cadáver, algures, uma qualquer câmara frigorífica cara e chique, daquelas que cobram os olhos da cara durante um lapso de tempo, seja pequena a eternidade, ou não, para fazer render o peixe, e isto é apenas uma forma de expressão.
Não é um corpo qualquer, aquele que se repete no cerimonial fúnebre, mas sim o do americano que revolucionou a pop, corpo reconhecível, com passado notável pelos melhores e piores motivos, história já narrada e rematada, episódios legendados em numerosos reality shows que foram toda a sua vida.
Como se fosse normal, a família prepara-se para realizar mais um funeral, cerimónia mais ou menos requentada, para que, diz-se, talvez essa intimidade ses torne coisa mais apetecível, e por força desse apetite construído, seja vendida a uma TV endinheirada. Depois, se preciso for, far-se-á outro funeral, então para a imprensa escrita, a seguir mais um para que se fixe em documentário a dor familiar que, em coro, tece loas ao falecido, e há quanto tempo falecido, já o corpo terá deixado de o ser, arrefecido no coração e na memória ética de todos.
E depois, claro, entre as diferentes cerimónias, esperar que se gastem rios de tinta, que se vendam discos, DVD’s, luvas brancas, camisolas, direitos televisivos, direitos discográficos, direitos canhotos e sabe-se lá que mais, porventura fiapos das diversas cabeleiras, pedaços da prótese do nariz, centímetros quadrados da pele lixiviada.

Talvez que as crianças violentadas pela estrela, a tê-lo de facto sido (estrela [ele], e violentadas[elas]), apareçam agora, chamadas pelo pecado da vaidade, a contar os pormenores sórdidos das violências a que foram sujeitas e que entretanto calaram a troco sabe-se lá do quê. Dirão o quanto essas violências repetidas os marcaram, a eles e às respectivas famílias, o quanto lhes custa agora relembrar passados tão mal passados – que o mesmo é dizer, tão em carne viva, em sangue – coisa tão dolorosa que só a cedência de direitos e respectivo pagamento, consegue amaciar.

E daqui a uns tempos, Mickael será sepultado em digressão mundial, ora nesta cidade ora naquela, numa sequência ditada pelas regras do mercado.
É a vida, senhores, coisa estranha mesmo que construída à volta da morte.

quinta-feira, agosto 06, 2009

morra o dantas morra, pim

À parte as simpatias ou antipatias que nutro pelos titulares dos cargos públicos, (à cabeça o ministro da educação, qualquer que ele seja), creio que na recente questiúncula de que o jornal Público fez eco, e que colocou frente a frente as Produções Fictícias e o autor de espectáculos de teatro Ricardo Pais (mas também programador e até há pouco tempo gestor dos dinheiros públicos, mormente no Teatro Nacional S. João), foi uma ficção mal realizada. Excessiva ficção para desenlace pobretanas. Mas com espaço nos jornais, essa é que é essa.

Para quem não sabe, aqui fica a história:
primeiro, uns tipos, na sua legítima vontade de fazer espectáculo, teatro ou o quer que seja, seleccionaram uns textos mais ou menos engraçados, poéticos mas não só, – e atenção que estou a dizer de cor, porque não vi o espectáculo – e leram-nos em público, na praça em frente ao Teatro Nacional S. Carlos. Um dos textos seleccionados era a Cena do Ódio que, curiosamente, o Sindicato de Poesia já montou, e até recentemente, e mostrou em algumas juntas de freguesia do conselho de Braga, na que ficou conhecida, entre meia dúzia de amigos, como a celebrada tourné das Juntas. Mas é claro, que desse recital, o do Sindicato que não era e tal, e que demorou a ensaiar cerca de três meses, pouco ou nada se disse. A grande diferença entre as duas montagens, para lá da dimensão da coisa e das pessoas envolvidas, esteve na polémica. O Sindicato não alterou uma vírgula ao que Almada escrevera. Já as Produções Fictícias, trocaram o destinatário e, em vez do Dantas, diziam (e apontavam) para Ricardo Pais. Ou seja, nas suas palavras, mais vogal menos consoante, realizaram ali, com pompa e alguma circunstância, um exercício de escárnio modernaço.
Não vejo mal nenhum no que fizeram, aparte terem actualizado o texto, no que pessoalmente, e para o meu gosto, considero ser, regra geral, uma má ideia.
Ricardo Pais, quando questionado pelo Público, considerou a putativa ofensa, uma «insignificância». E eu estou de acordo.
Mas, o que é que parece estar por trás da história? É aqui que entra o ministro da cultura. Aparentemente, chateado pela catadupa de declarações públicas de Ricardo Pais que, na hora de sair – antes de tempo – e de recusar o convite para continuar no S. João (e aqui não estou a falar de cor, eu assisti ao atabalhoado discurso ministerial, que precisou de um bis trôpego para dizer o que, aparentemente, queria dizer), não se conteve em dizer o que pensava (mal) do ministro, do ministério (ainda pior) e da política cultural do governo (péssimamente). O senhor ministro terá chamado em seu socorro – ou alguém chamou – os mais íntimos indefectíveis. Ora, consta que o ministro é sócio das tais Produções Fictícias. Postas assim as coisas, a estrutura acudiu prestamente na pessoa de um outro sócio, que para além desse estatuto, é também amigalhaço do ministro. Não por acaso, Ricardo Pais, questionado pelos jornalistas para comentar o tal espectáculo, aconselhava os jornalistas a falarem com o ministro, por ser ele quem melhor conhece, e cito, «as cabeças daquelas pessoas», ou seja, os que concretizaram o tal recital, que não se chama assim, mas sim Recital e Tal.
Num país com a cultura hipotecada, só mesmo o discurso da maledicência pode vingar.

o tino de i

«As contas fazem-se no fim», poderia ter dito Isaltino de Morais, depois de ter sido sentenciado a sete anos de prisão efectiva, esta segunda-feira, na sequência de uma decisão de um tribunal, ainda que essa decisão seja passível de recurso – recurso já activado, senão o sentenciado não se poderia passear no exterior do tribunal de charuto fumegante ora na mão ora na boca.
Isaltino, na segunda à noite, em conferência de imprensa, terá dito, enquanto clamava justiça, «a política à política, e a justiça à justiça », querendo com esta afirmação, separar as águas, num processo que, na sua opinião, está excessivamente misturado e que, a fazer caso do que defende, serve para fazer dele bode expiatório, exemplo para os demais políticos que, sem que o soubessem, – ou como gostam de dizer, Isaltino inclusive -, «não tiveram consciência do ilícito – a ser ilícito - em que estavam a incorrer».
Isaltino poderia ter ido mais longe e, citando Fidel, poderia ter declarado com ênfase apropriado, que «a historia o absolverá».
«O absolverá» perante a justiça, uma vez que aos olhos do povo, pelo menos do povo eleitor, ele está mais que inocentado. Ou pelo menos, desculpado, o que é coisa – como se sabe - bem diferente.
E na verdade, Isaltino é apenas mais um no extenso rol de autarcas – a lista não se fica apenas pelos autarcas – que foram apanhados com o pé na argola, embora mais justo seja dizer, com a mão na massa. Só depois de apanhados com a mão na dita, literalmente, é que, porventura, a justiça os obrigaria a enfiar o pé na argola. Mas isso, são contas de um outro rosário. E os casos que sirvam este exemplo, são poucos, senão mesmo nenhuns. Basta recordar os nomes de Isabel Damasceno, Fátima Felgueiras, Valentim Loureiro, Ferreira Torres, e tantos mais. Uns, mais conhecidos que outros. Outros mais merecidos que aqueles uns.
Até agora, com mais ou menos dificuldades, estes casos redundaram em fumo, coisa que desaparece ao sabor do vento, apenas fica dele o cheiro e durante um curto período, e mesmo esse, mais dia menos dia, diluir-se-á, lavado pelas águas de colónia que a massa em cuja mão meteram, dá para comprar.
E o povo, esse, vai votando nos mesmos, num exercício estranho. Desculpabilizando-os. Talvez pensando que, estes que agora elegem, se já corromperam ou foram corrompidos em algum momento da sua vida, poderão resolver o problema particular de cada um. Uma mão lava a outra, diz o povo. Eu voto agora nele, pensarão para com os seus botões, para que a seguir, o votado, nos a ajudinha de que podemos vir a necessitar.