sexta-feira, dezembro 21, 2007

natal

E pronto, lá chegou mais um natal, aquela época do ano em que, de forma mais óbvia, devemos solidariedade aos mais desfavorecidos; em que distribuímos prendas a eito aos familiares próximos e afastados; e em que, por último, mas nem por isso menos importante por tão presente, os bonecos que figuram o pai natal, trepam a tudo o que é janela ou chaminé das casas nacionais, cheios de luzinhas e outras pirotecnias, técnicas passadas a tintas da china, coisa não de tinta mas de nação, que o que importa é o comércio que da China nos chega a preços reduzidos. Não por acaso, isso é certo, é que se diz dos bons negócios, serem negócios da china.
E nesta época de prendas e outras coisas parecidas, os exemplos que nos chegam são, no mínimo, coisa para reflexão.
É certo que, muitas vezes, as prendas que nos calham nesta época do ano, por serem coisa quase obrigatória e cultivada freneticamente, são coisas desinteressantes e, mais que isso, inúteis. Mas aprendemos que não devemos desdenhar das coisas oferecidas – não por acaso, um dos ditados populares portugueses mais usados é o célebre «a cavalo dado não se olha o dente». E sobretudo, nunca por nunca, devemos devolver, em caso algum, a prenda mesmo que imprestável que nos ofereceram, seja ela qual for. Em última análise, clandestinamente, desfazemo-nos da prendinha na primeira oportunidade, oferecemo-la a alguém a quem tínhamos obrigação de dar prenda, desde que o espírito da coisa – quer dizer, do natal - esteja salvaguardado.
Ora, foi precisamente isso que fizeram uns energúmenos futeboleiros sportinguistas, associação organizada em claque de futebol, a quem dois jogadores verde-brancos ofereceram as camisolas suadas, depois de um jogo qualquer que, ainda por cima, venceram. Zangados com a equipa sabe-se lá porquê, a claque devolveu as camisolas arremessadas pelos suados atletas sportinguistas, repudiando o gesto e o sacrifício (mesmo que pago a preços inflacionados) dos jogadores.
É certo que ninguém pedira a camisola suja dos fulanos. Mas devolvê-la foi má educação. Duplamente. Também porque é Natal.
Ah, antes que me esqueça: BOM NATAL. Para todos.

quarta-feira, dezembro 19, 2007

aniversários

Num mais ou menos recente concurso televisivo, cujo objectivo – apelando à participação popular tipo sondagem sem regras – uma franja dos portugueses votantes, decidiu eleger Salazar, o português que quase se eternizava na presidência de um governo paroquial, não fora aquela queda de uma cadeira carunchosa, enquanto lhe tratavam dos pés macerados e que exigiam, todos os meses, tratamento especializado. Olha, talvez venha daí a expressão, vê lá se queres que te trate os calos.
Ganhou Salazar, ficou em segundo Cunhal e em terceiro, se me não falha a memória, Aristides Sousa Mendes, um português que ninguém conhece, mas que me proporcionou, a mim figueirense, (aos que estiveram antes de mim, condescendo), um pouco mais de muita civilização. Mas isso são contas de um outro rosário. O curioso da votação, disse-o na altura, é que os nomeados eram, quase todos, gente do nosso tempo, homens próximos de nós e na nossa memória, o que me levou a pensar - e a escrever - que, de facto, temos a memória curta, e a prova aí estava, quem quer que fossem os votantes. Mesmo pensando que os dados recolhidos eram coisa manipulada, que remetiam para uma mensagem que ia muito para além do programa de entretenimento televisivo que era o que a coisa realmente era.
Não sei se foi considerado, mas em lugar de destaque não foi certamente, o nome de Manoel de Oliveira.
Ora, Manuel de Oliveira é, sem dúvida, uma das personalidades portuguesas mais reverenciadas. É um dos nomes mais sonantes do cinema internacional e logo, do cinema nacional. É uma voz - como agora se diz quando queremos determinar um autor - e, hélas, fez 99 anos de vida. Há pessoas assim, que vão para lá das estatísticas. Andamos nós a ver se conseguimos reduzir a idade da reforma, queixamo-nos que aos 65 já estaremos para lá de marraquexe, e eis que Manoel, aos 99, não pára de fazer filmes. Tantos – estreia em breve, no aniversário precisamente, um sobre Cristóvão Colombo – que já lhe perdemos a conta. E não consta que lhe passe sequer pela cabeça, reformar-se. O estado português é que, a acreditar numa manchete publicada no fim-de-semana da efeméride, está preocupado com a situação. E o que podia ser triste – e continua a sê-lo, mas a coisa até pode dar para anedota – é que criou uma directiva qualquer, li-o, que determina que não haja financiamento estatal a Oliveira depois que ele conclua o centenário. Toma lá dinheiro para mais duas fitas, sem concurso, mas depois dos cem… Nem! Pensar. Ou seja, discrimina-se Oliveira.
Mas aqui entre nós que ninguém nos ouve, tomara eu uma descriminação destas.
Parabéns Manoel.
E já agora, lembro-vos que o grande arquitecto Oscar Nyemaier fez 100 na semana passada.
Hurra!

quarta-feira, dezembro 12, 2007

o ciúme

O ciúme é um sentimento muito lindo, muito são, digam lá o que disserem, que fica bem a qualquer pessoa bem formada, que tenha o sentimento no sítio. Convenhamos que, sem ciúme, qualquer relação, perde o sal que a deve temperar. Sem ciúme, qualquer relacionamento amoroso, por mais genuíno e profundo que seja, se releva imediatamente como coisa superficial, de desprezar, descartável, coisa de deitar fora sem que fique grande peso na consciência.
Eu defendo o ciúme como condimento essencial ao fortalecimento de qualquer relação. Para aqueles que me vêm com a cantiga de que o ciúme é uma degenerescência, eu rio e afasto-me de quem emite tal opinião, que para mim é um verdadeiro atentado ao bom senso, e à experiênciação do amor total-total.
O ciúme é importante, fundamental, até para que se possa fazer a aferição do sentimento maior, que é o (uff, lá vem o romantismo) amor. Quem não sentir ciúme – e digo-o porque acredito profundamente nisso – é porque não ama suficientemente.
E digam lá que não são desejadas as cenas de ciúme? Onde está o amante que não deseje que o seu parceiro tenha, de vez em quando, e já agora – condescendo – na medida certa, um acessozinho de ciúmes? Daqueles que entusiasmam!… Que estimulam!... Não há. Por mais puristas que alguns se digam ser, ninguém resiste ao encanto do ciúme.
E o ciúme é gajo para atacar em todas as idades. Na puberdade: naquelas relações inocentes que todos experimentámos; na adolescência e na juventude: onde as coisas são na exacta medida da importância que supomos que elas têm e, nessas idades, como se sabe, elas têm toda a importância do mundo; na maturidade: onde já somos capazes de relativizar quase todas as coisas; e na velhice: onde tornamos às coisas importantes e somos capazes de matar para manter a paixão que julgamos ser a última das nossas vidas.
Vem isto a propósito de uma querela entre idosos num lar da terceira idade em Paredes de Coura, salvo erro. Segundo o administrador do lar, uma velhinha de relação estreita com um velhinho, começou a ser assediada por um outro velhinho. O primeiro velhinho, o que tinha por garantida aquela relação, vendo-a perigar – a velhinha também devia andar a dar muitas abébias, (afinal de contas de que valeria um assédio se ninguém o soubesse» não é?), entusiasmada com o assédio, deve ter dado baldas em demasia – atraiu o pretendente a um descampado e, disse-o assim, tal como num filme do Jonh Wayne, agarrou num punhado de terra e atirou-a aos olhos do antagonista. O assediador ficou sem ver nada e o primeiro, com a ajuda de um varapau, arreou forte e feio. O senhor foi internado no hospital com nódoas negras variadas, e a velhinha deve ter retornado, feliz, ao remanso do lar, pelo duelo que ainda foi capaz de promover. O casalinho retornou ao seu namoro, certamente mais aquecido que nunca, e o assediador teve, no hospital, espaço e tempo para travar amizade com enfermeiras variadas (muito mais jovens) e com as velhotas internadas. Umas e outras devem ter ficado excitadíssimas na presença de criatura capaz de tamanho feito. Afinal de contas, um D. Juan é um D. Juan, quer se tenha vinte quer se tenha 70 anos.

quarta-feira, dezembro 05, 2007

mais discos

E por falar [escrever] de discos:
Comprei, mas ainda não ouvi, o último do Carlos do Carmo, À NOITE, que saiu com o jornal Público. Naturalmente que o irei ouvir e dele aqui direi meia dúzia de coisas. O disco é ainda mais interessante porque, dois dos fadunchos têm poemas do Zé Manuel Mendes: FADO DOS MEUS FADOS e MARGENS DA SOLIDÃO.

mão morta - tributo

Estou a ouvir E SE DEPOIS…, um disco de tributo à banda bracarense MÃO MORTA e estou pasmado com o som, com a produção, com a qualidade das versões.
O disco é muito bom. Mas o disco e uma homenagem, um tributo, a uma das bandas singulares da cultura portuguesa.
Os Mão Morta são, quer se queira quer não, goste-se mais ou menos da música que vêm fazendo desde há já não sei quantos anos, um dos projectos musicais mais interessantes da música portuguesa.
Abro um parêntesis só para dizer que adoro usar a palavra projecto. Talvez porque me faz sentir mais em sintonia com o país que somos, onde tudo são projectos, culturais ou quaisquer outros, futebolísticos incluídos, excepto para o mister Scolari, para quem tudo são situações…). Os Mão Morta têm a sábia virtude de ter sabido estar ao lado da onda, qualquer que ela tenha sido, por mais atraente que ela fosse, ou mais prometedora que ela aparentasse ser. E a virtude maior que o grupo musical de braga (embora seja redutor adjectivá-la de musical… porque são algo que vai, perdoem-me os próprios, para além disso, para lá dessa minudência… com todo o respeito…) ostenta no seu curriculum, é a sua sobrevivência. Numa situação normal, o grupo já teria sucumbido às pressões dos media, ao ostracismo dos directores das gravadoras em território nacional, à política editorial das multinacionais, ao universo de ouvintes potencialmente contabilizáveis, à ideia consumista mais primária, à ditadura da play-list.
Só que os Mão Morta não são uma banda qualquer.
São teimosos. Militantes. E um bocadinho loucos, convenhamos.
É verdade que vivemos tempos em que o reconhecimento público é coisa prioritária. E faz bem ao ego. E nesse aspecto, os Mão morta têm o ego deles bem massajado, graças a um grupo de seguidores que não lhes têm dado tréguas. É massagem atrás de massagem. Onde alguns iluminados da nossa praça musical - ou qualquer outra - areiam táu-táu do grosso, logo se levantam os voluntariosos fãs que têm por incumbência missionária, manter altos os níveis de satisfação e conforto da banda. Não que eles precisem. Mas já agora…
E este disco é mais uma palmada nas costas, das que sabe bem receber.
E ainda por cima, é muito bom. Se bem que alguns dos nomes participantes neste tributo me sejam totalmente desconhecidos. Talvez por isso, a surpresa, para mim, seja ainda maior.
Material de primeira duma banda que, senti-o nitidamente na produção do espectáculo MALDOROR, tem um grupo de seguidores únicos, uma imagem bem construída, um lugar ganho à força de muita luta.
Nunca tinha ouvido falar duns tais THE TEMPLE, mas a versão construída a partir de BUDAPESTE é muito boa. A versão de OUB’LÁ, dos BALLA, também é muito interessante. Tal como a versão construída por um grupo (ou seja lá o que for) chamado VOLSTAD, com uma carga dramática que me inquieta. De especial a voz acriançada, mas enigmática, da rapariga, que conduz com rédea segura a narrativa, num diálogo cruzado com as teclas sintetizadas de enorme profundidade. E logo a seguir, a fantástica criação do projecto HOUDINI BLUES para CHARLES MANSON. E depois, o peso dos TWENTYINCHBURIAL e dos DEMON DAGGER (eia, já conhecia estes… Ah pois, e também já conhecia do DEAD COMBO, tal como já tinha ouvido falar dos MÉCANOSPHERE)…
Grade cena.
Parabéns aos MÃO MORTA.
O disco já está à venda na FNAC.

PS: é estranho pensar que Braga já tem uma FNAC.