quinta-feira, abril 17, 2014

vinte e cinco de abril 2014

Já lá vão quarenta anos desde que um punhado de tipos saíram dos quartéis e reinventaram este país.
Desde então, imortalizada por Herman José, embora inventada em primeira instância por Baptista Bastos, a pergunta tem-se repetido e é chiclet que as tantas bocas partilham sem complexos de higiene: onde é que estava no vinte e cinco de Abril.
Há quem não se lembre, porque não; há quem não se lembre porque se esqueceu; há quem não se queira lembrar; há quem queira lembrar-se mas não consegue; há quem se lembre e até nem se importe de partilhar essa lembrança; há quem se tenha querido esquecer e agora, por força da insistência desmesurada da pergunta e da curiosidade alheia, se relembre – vide o caso daquele ex-cabo, José Alves da Costa que se recusou a disparar contra Salgueiro Maia e que Adelimo Gomes descobriu em Balazar, perto da Póvia de Varzim. E por aí fora.
Quarenta anos depois, uma franja grande da população portuguesa a quem se pudesse colocar esta questão, responderia, talvez, que ainda não era nascida. São já um produto do pós vinte e cinco de Abril e, logo, da liberdade e da democracia. Muitos, tantos, demais, nem saberia dizer o que significa e o que aconteceu nessa data, uma coisa tão longínqua como outra data qualquer, daquelas que dão feriado e já não querem dizer nada.
Mas esta data, este tal vinte e cinco de Abril, ainda tem habitantes, população activa, heróis e contra-heróis, democratas e fascistas. Gente que testemunhou a grande viragem e para quem a memória não se apaga com duas lérias.
Se se falasse aos que nasceram depois de nós, os que renascemos com Abril, de um país encolhido e com medo, talvez respondessem que é esse o país que agora têm. E como estão certos.
É verdade que o país regrediu imenso nesta última década, mais ainda nestes últimos anos, mas ainda assim, é um país substancialmente diferente daquele que o cabo José Alves da Costa e Salgueiro Maia e os seus camaradas de armas ousaram mudar.
Há contudo um conjunto de coisas que persistem em se manter e são já assumidas, não como defeitos que importa desfazer, mas como condicionantes do ser-se português que, até é justo perservar: o pequeno suborno, por exemplo. E do pequeno ao grande, o passo é (tão) curto. Mas ainda assim, sabemos distinguir um e outro, sendo que, culturalmente, toleramos o pequeno, e repudiamos o grande. Distingui-mo-lo pelos volumes envolvidos e pela capacidade que temos para subornar. Era assim, e assim continua a ser. Uma dúzia de ovos ao professor primário e o exame da terceira classe garantido; um queijo amanteigado ao médico que nos atende e a baixa médica por uma semana; um automóvel ao técnico da câmara, e mais um andar no prédio em construção.
A justiça é outra coisa que pouco mudou. Nalguns casos, a volta que se lhe deu foi para piorar o sistema. Mas na saúde, por exemplo, e na educação e na cultura (se exceptuarmos os derradeiros anos) muita coisa se modificou e, convenhamos, para muito melhor.
Quarenta anos depois, mais uma vez, os cravos já estão na água, prontos para serem sepultados nas golas dos casacos dos deputados na assembleia da república. Por um triz que as chaimites não foram engalanadas com cravos de papel feitos no atelier de Joana Vasconcelos e o vinte e cinco de abril, tansformado num cortejo carnavalesco nas ruas de Lisboa.
Aos heróis de Abril é que continua vedado o microfone da casa da democracia, cujas portas abriram.
A presidenta da assembleia disse que se eles não querem ir à festa envergonhada por não os deixarem falar, o problema é deles. Eu discordo e acho que o problema é nosso.

Bom vinte e cinco de Abril.