domingo, fevereiro 12, 2017

pancadaria com (a)preço

Não sei se já tinha dito, mas há coisas que me causam enorme confusão e me tiram, realmente, do sério. É verdade que eu sou homem para ferver em pouca água e, por isso, já devo ter abordado aqui esta questão.
Eu conto. Ou reconto, conforme o caso.
Há coisas para as quais todos nos habituamos a olhar como se fossem a coisa mais normal do mundo e que, na minha consideração alimentada por valores antigos e retrógrados, considero absolutamente à margem da ética mas que, atenção, não quero desconsiderar em demasia por sentir que elas são isso mesmo, considerações fora da época e do tempo e alimentadas por essa lenha.
Por exemplo: imagine-se que alguém é mal diagnosticado num hospital e, em consequência disso, morre. A família dessa pessoa, para além da sentida dor da perda, e de modo a enxugar um pouco as lágrimas que necessariamente tem de derramar, exige uma indemenização à instituição médica por não ter acertado no diagnóstico, ou com o eficiente atendimento, ou sabe-se lá mais porquê.
Ou seja, para mim que sou antigo, essa família fica a lucrar com a morte dessa criatura. Independentemente da efectiva dor, que é impagável do meu ponto de vista, ou do erro cometido, que deve ser ressarcido de uma maneira qualquer, mas não daquela. O mesmo se passa no que se relaciona com crimes à honra e que dão azo a pagamentos ao que ficou com a honra rasgada...
Já com acidentes de trabalho ou quejandos, a coisa muda de figura quando é o próprio que fica dependente de uma ajuda qualquer para poder manter um nível de vida que não pode ser apoucado.
E mesmo assim, sei de histórias de verdadeira caça à indeminização que me faz corar de vergonha alheia. Que nesta coisa de vergolha, há sempre alguém que fica com a cara a arder, mesmo que não seja o próprio que tenha dado a cara.
É claro que há casos e casos. Mas serve este intróito apenas para chegar ao ponto que quero falar.
Vem isto a propósito do caso do miúdo de Ponte de Sôr, espancado pelos dois filhos do embaixador do Iraque. O rapaz apanhou uma valente sova dos dois iraquinaos, que devem ter uma bela escola em matéria de pancadaria (vêem como o preconceito já está instalado?), até porque sabemos que os rapazes de hoje (e as raparigas, para meu espanto) são danados para a pancadaria e batem sem arrependimentos, com a capacidade e a certeza de aleijar mesmo, arreando em sítios como a cabeça, com as partes do corpo que têm de mais duras, como os pés, ou com objectos contundentes e tudo. O miúdo alentejano ficou entre a vida e a morte, em coma, já não me recordo se induzida, e com auxílio respiratório e tudo. A coisa foi mesmo grave.
O estado português ficou com um problema entre mãos, porque os miúdos iraquianos têm imunidade diplomática por serem filhos de embaixador e não podem, por isso, ser presentes à justiça portuguesa sem que essa minudência jurídica seja contornada.
E não o foi durante todo este tempo, porque o estado iraquiano nunca desapoiou o seu alto funcionário diplomático e a sua família.
Mas há sempre maneira de contornar as coisas. Este episódio foi-o pelas vias mais básicas. O embaixador resolveu indeminizar a familia do miúdo alentejano espancado, e a família vai retirar a queixa. Negociou com ela uma verba que se desconhece e tudo ficará na paz do Senhor. Ou de Alá. Para além disso, o senhor embaixador, pai dos dois miúdos arruaceiros, ou a própria embaixada, pagou todas as contas hospitalares, nada que três ou quatros barris de petrólio não resolva. E já está. Assim se resolvem as coisas.
(...)
Não é uma vergonha?
Sou só eu que vejo as coisas assim?
Antigamente dizia-se que a mulher de Céser não deveria apenas ser séria, tambem tinha de perecer que o era. Neste caso, obviamente, não é nem parece.

Sou antigo. Pronto. Nao há nada a fazer.