terça-feira, fevereiro 06, 2007

ABORTO-4

Para além dos “não porque não”, tínhamos o “não, mas”, o “não, assim-assim” . Agora passamos a ter o”não, mas sim”.
Ou seja o não á legalização, mas sim á despenalização.
Resulta daqui que, se por ventura, o “não” vencesse, teríamos de ter outro referendo para saber qual deles foi o vencedor.
As soluções propostas são múltiplas e o legislador ficava sem saber o que fazer.
E se o”não” vencedor fosse o novo “não, mas sim”o que é que sucedia?
O caos no ensino do direito.
Despenalizar sem descriminalizar não existe. Sem pena não há censura penal. O código penal passava a ser um código penal e moral. O aborto tinha gerado outro aborto.
Quer queiram quer não, o aborto seria, sem pena, descriminalizado.
Até ás 10 semanas? Até ás 12? Em qualquer altura? Não se sabe, porque também não o dizem.
Sabe-se que a mulher que decidisse abortar tinha a certeza que a sociedade não censurava penalmente a sua conduta, não a perseguia, nem a punia.
Mas então como abortar?
Num estabelecimento hospitalar com apoio médico capaz? Com certeza que não, pois assim o aborto não seria só despenalizado, mas também legalizado. O que não querem.
Clandestinamente? Seria um absurdo. Seria praticar um acto não penalizado e portanto não censurável de forma ilegal e censurável. O que também não devem querer.
Como praticar então um acto legal de forma legal?
Por favor expliquem, porque eu só queria entender.
A única forma que vislumbro é a mulher agir por si só.
Ou pelo velho método hipocrático dos saltos, ou pelo mais moderno método, ainda usado nos meios rurais, de bater com uma pedra na barriga.
Será isto que querem?
Eu por mim desisto. Basta de abortos.
P.S. fica ao critério de cada um saber a quais me refiro.

ABORTO-3

Quando nos debates sobre a interrupção voluntária da gravidez se digladiam médicos pelo “sim” e pelo “não” há sempre alguém que tira da cartola o famoso “Juramento de Hipócrates”.
E invariavelmente fá-lo para, jogando com as palavras, chamar hipócritas aos médicos pelo “sim”.
Porém o famoso juramento, que aliás ninguém jura, está em completa contradição com os valores sociais da época.
Os médicos descreviam o aborto como prática corrente, mas em nenhum lado, nomeadamente na legislação da altura – leis de Licurgo ou de Sólon –, havia normas contra o aborto “ per se”.
O aborto, tal como o parto, era considerado então causa de impureza e fundamento de restrições á participação e entrada das mulheres em determinados actos e lugares.
Por isso a famosa injunção – “Tão pouco administrarei um veneno a alguém, mesmo que peçam que o faça, nem sugerirei semelhante acção. De igual modo, não darei a uma mulher um pessário para provocar um aborto.”- continua hoje com um sentido obscuro.
Mas se tal injunção, entendida como condenação do aborto, parece duvidosa á luz dos valores sociais da Grécia clássica, mais duvidosa se torna quando se sabe que no corpo dos textos hipocráticos se descrevem práticas abortivas aconselhadas pelo próprio.
“ Foi da seguinte maneira que se me deparou um embrião com seis dias. Uma parente minha possuía uma cantora muito valiosa que costumava ir com homens Era importante que essa rapariga não engravidasse perdendo assim o seu valor. Ora essa rapariga tinha ouvido dizer o tipo de coisas que as mulheres dizem umas ás outras – que, quando uma mulher vai conceber, a semente fica dentro dela e não sai para fora. Ela digeriu esta informação e manteve-se atenta. Um dia reparou que a semente não voltara a sair. Contou á sua ama e a história chegou-me aos ouvidos. Quando a ouvi, disse-lhe para se pôr aos pulos, tocando as nádegas com os calcanhares em cada pulo. Depois de ter feito isto não mais de sete vezes, ouviu-se um ruído, a semente caiu ao chão e a rapariga ficou a olhar para ela muito surpreendida.” O autor passa a seguir a descrever em pormenor a membrana e os coágulos de sangue do que parece ser um “conseptus” com sete a dez semanas, mas a que chama um “embrião com seis dias”. (citado de a História da Contracepção, de Angus McLaren, edição Terramar, pag.39).
Apesar de ser pouco provável que os escritos ainda existentes da escola hipocrática tenham sido escritos por Hipócrates de Cós, os exegetas da sua obra (Edelstein) consideram ser aquele texto uma interpolação da escola pitagórica, introduzido por motivos não médicos, mas filosóficos.
De qualquer forma, a invocação do famoso juramento e o seu uso no debate sobre a IVG reflecte mais a ignorância histórica do “não” que a hipocrisia do “sim”.

segunda-feira, fevereiro 05, 2007

ABORTO-2

O que está em questão no próximo dia 11, é pois saber se só é legal o aborto nas condições actuais ou se bastará para tal a vontade da mulher.
E aqui responderei sim.
Em primeiro lugar pelo flagelo que é o aborto clandestino, bem conhecido de toda a gente pelo que, sobre isso, me abstenho de mais considerações.
Em segundo, para acabar com uma lei penal que todos rejeitam, ninguém quer cumprir e que está em dissonância com os valores da sociedade.
Em terceiro, por uma razão, até agora alheia ao debate, mas que tenho como fulcral na decisão a tomar.
Para haver aborto legal em Portugal são necessários dois requisitos. O primeiro de todos - a vontade da mulher. Não há aborto sem uma decisão da mulher. O segundo – que essa vontade seja tutelada pela vontade coincidente de um médico.
A questão que agora se coloca é esta : precisa a decisão da mulher de ser tutelada ou, pelo contrário, a mulher é capaz de, só por si, tomar decisões soberanas?
A resposta que a sociedade foi dando ao longo da história – da nossa história cristã e ocidental – foi sempre a mesma: as decisões da mulher necessitam de tutela. Do pai, do marido, do padre e, após o iluminismo no campo da sexualidade, do médico.
A resposta que a mulher foi dando, é a história secular pela sua emancipação.
O “não” parece temer que, caso seja suficiente a vontade da mulher para que o aborto se faça de forma legal, o seu numero aumente assustadoramente e que aquelas tontinhas não pensem noutra coisa senão em abortar.
Eu penso que a mulher só se decide pelo aborto em último caso e em casos ponderosos. Penso aliás que, como membro da sociedade, nem sequer tenho direito a exigir que os divulgue.
Por isso voto sim.

domingo, fevereiro 04, 2007

ABORTO-1

O “não”aparece, no debate para o referendo, como o defensor único e pleno do direito á vida do feto.
Daqui quer extrair, e o debate a isso aponta, duas conclusões: 1ª que no domínio da defesa do direito á vida do feto o “sim” e o “não” se encontram em campos diametralmente opostos. 2ª que o que se vai discutir a 11 de Fevereiro é a aceitação ou rejeição daquele direito.
Ora nada mais falso, pelo menos para aqueles grupos do “não”- e são os únicos que aparecem – que aceitam e defendem a actual legislação sobre o aborto.
Ao admitir a legalidade do aborto até ás primeiras 16 semanas de gravidez no caso de violação, até ás 12 semanas de gravidez quando tal se mostrar indicado para evitar perigo de morte ou de grave e duradoura lesão para o corpo ou para a saúde física e psíquica da mulher e, em qualquer altura, quando isso constituir o único meio de prevenção destes males, o que o “não” vem dizer é que, tal como o grupo do “sim”, o direito á vida do feto não é um direito absoluto, mas sim um direito que deve ceder perante outros direitos da mulher em determinadas situações.
Se ninguém admite que o direito á vida do feto é um direito absoluto, direito que não cede perante qualquer outro direito, é evidente que sobre esta matéria não existe entre o “não” e o “sim” qualquer oposição de princípios.
E se ninguém o admite, é evidente também que não é esse direito do feto que está em questão no referendo.
A questão coloca-se sim nos limites admissíveis a esse direito.
Por outras palavras, o que está em questão é saber se o direito á vida do feto só cede perante os outros direitos da mulher nos casos actualmente vigentes na lei penal , ou se cederá sempre que a mulher assim o decida.
E sobre esta questão ainda não ouvi, por parte do “não”, qualquer razão válida para a sua oposição, até porque esta terá sempre de ter por base a declaração de inimputabilidade ou a imputabilidade diminuída das mulheres. Talvez o pensem; coragem para o dizer é que não.