terça-feira, abril 11, 2006

doze de abril

a)

''Não escrevrás nem mais uma palavra.

Se és judeu,
- mesmo que alemão -,
se vives neste chão que se chama alemanha,
não escreverás nem mais uma palavra
a partir deste dia, (12 de Abril de 1935),
nesta pátria a que chamamos Reich.

Não escreverás nem mais uma palavra
se não és ariano,
puro de raça
puro de cor
puro sangue.''

Isto disseram, e escreveram em letra de lei,
os suporters do Partido Nacional Socialista
comandados por Adolf,
o do bigode ridículo.

b)

Foi uma explosão como não houve outra e,
contudo,
depois dela,
tantas outras foram.

Mas aquela foi a primeira que
propulsionou o homem no espaço.

O homem chamava-se
Gargarine, primeiro homem espacial. Especial.

Faz hoje anos
que seguimos a bordo da nave de Gargarine, para o espaço.
O homem que foi depois de laika, a cadela,
levou-nos arrastados pela sua coragem,
algemados à sua vontade.

c)

As grades da prisão de Cipinang
não o prenderam.
As grilhetas não o amordaçaram.
A sua alma em grades
continuou a incendiar a indignação no peito de tantos de nós.

Mesmo estando Xanana preso,
milhares continaram presos no seu braço,
erguido no seu punho de revoltado,
corda vocal na sua garganta,
a gritar '' Pátria ou morte. Reisitir é vencer''.

Como Che, também eu senti
tantas vezes,
''o dorso esquálido de rocinante''
entre os calcanhares
que quiseram ser
os de Xanana.

Mesmo em Cipinang,
Rocinante, um cavalo igualmente timorense,
não parou de trotar,
com milhares montados nele.

sábado, abril 08, 2006

nascer em portugal

Eu nasci em casa.
Não porque fosse fino nascer no sítio que se habita, mas porque era assim que as coisas se passavam no tempo em que nasci. Havia pouco dinheiro naquela altura (mais que agora… veja-se, por isso, como os tempos eram difíceis) e, consta, a minha mãe era mais teimosa que uma mula. Que não queria ia para a maternidade, talvez antecipando o sofrimento de tanto tempo que teria de passar em estabelecimentos de saúde. Quis que eu nascesse em casa, assistida pela sua mãe, minha avó, mulher com vasta experiência em matéria de partos, ela que era «aparadeira» na aldeia da Beira Alta de onde vinha, para além da experiência pessoal de ter dado à luz umas quantas vezes, mais de dez. E assim, a minha avó lá veio da aldeia, de comboio - via Pampilhosa - munida da sua sabedoria e experiência. Assistiu ao parto e, terminado com êxito o trabalho, para a aldeia tornou, porventura feliz por ser avó mais uma vez (a segunda) e depois de verificado o sucesso da operação e a saúde da parturiente mai-la criança.
E porque nestas coisas de maternidade, naquele tempo, o homem era proscrito, um ser inqualificado, um empecilho mesmo, o melhor era ir trabalhar e ver o que acontecia. Por essa e, certamente, por outras razões, incluindo (quiçá) as económicas, o meu pai não pôde abandonar o trabalho que estava a fazer enquanto eu me esforçava por nascer.
Trabalhava paredes meias com a chamada Casa da Mãe, nome poético que designava a maternidade figueirense onde ele queria que eu tivesse nascido. De vez em quando vinha à rua, que era uma espécie de pequeno campo de futebol cheio de pequenas bolotas – não eram bolotas, era outra coisa qualquer, parecido, que fazia tropeçar os rapazes no jogo da bola - e de lá, conseguia entrever, por entre a folhagem e a distância, uma janela da casa onde eu estava prestes a nascer, em Vila Robin. Se eu já tivesse nascido, planeara-se, haveria um lençol pendurado na janela. Se a janela permanecesse despida, era porque a coisa ainda não se dera. O meu pai deve ter andado em bolandas durante toda a manhã porque, dizem-me, eu terei nascido depois do almoço, altura e que foi içado o lençol da boa nova.
Esta história tão particular e tão íntima veio-me à lembrança porque ouvi dizer que a maternidade da Figueira da Foz, agora já no hospital da Gala, deverá ser desactivada, tendo as mulheres que ir parir a Coimbra ou, se viverem na parte sul do rio, a Leiria.
Depois da morte da Casa da Mãe, e da decrepitude do edifício, praticamente em ruínas que dá pena lá passar, o Estado torna a atacar naquilo que é de mais sagrado e mais íntimo a qualquer cidadão. É que também se é desta ou daquela terra, figueirense por exemplo, porque se nasceu lá. Não é condição essencial, mas ajuda.
De vez em quando, gosto muito de passar pela Vila Robin e rever a minha Casa da Mãe – que, felizmente, ainda está de pé – ou então de ir até à pequena aldeia onde nasceram (e agora estão sepultados) os meus pais, entrar na casa que construíram, igual à casa onde eu nasci (ou por falta de inspiração ou para marcar a tijolo aquele preciso lugar), e respirar de uma maneira diferente.
E que terão para visitar os figueirenses nascidos depois desta revolução? Uma estrada para Coimbra? Uma grande superfície comercial de nascimentos?
E os de Santo Tirso? E os de Barcelos?