quarta-feira, março 31, 2010

limões

O meu limoeiro continua o trabalho incessante de produção de limões. Vai em quatro. Parecem poucos, eu sei, mas tem sido uma luta. O limão é qualquer coisa maior que o limoeiro. Como é que de uma haste tão frágil, tão doce, se desprende tamanho fruto, tão grande e tão ácido?
É um milagre. Quatro milagres.
Mesmo que os limoeiros dos meus vizinhos teimem em humilhar o meu, os seus quatro limões são únicos. Estou a guardá-los com toda a paciência, como fiz com as laranjas. Mas isso é uma outra história.

sábado, março 27, 2010

péques

O Partido Socialista juntou-se aos partidos ditos da direita (e um deles, o PSD, um pouco mais de direita desde ontem) na votação PEC (programa de estabilidade e crescimento, é o que significa), por forma a viabilizá-lo, deixando de lado os partidos da chamada esquerda, que se manifestam irredutielmente contrarios à sua implementação. Neste caso, a matemática eleitoral é uma aberração, porque a abstenção é a prova provada que pode significar outra coisa. O PS colou-se à direita, portanto. Como normalmente acontece, por mais que se combatam em jogos mais ou menos florais nas mais diversas plataformas, o PS está, a cada dia que passa, mais longe do seu eixo fundador.

Este caminhar cíclico para a direita, é um sinal claro de muitas coisas, nomeadamente de uma mudança que terá começado a ser desenhada há muito mais tempo atrás – quem não se lembra da acusação feita a Mário Soares, de quem se dizia ter fechado a esquerda na gaveta… onde deve estar até hoje, cheia de pó socialista e de mofo… – e que, passo a passo, tem vindo a arredar do forum da decisão, os militantes cada vez mais minoritários, que pensam como originalmente, ou pelo menos, perto dessa essência.

O eixo mudou radicalmente, desde os tempos em que a utopia foi coisa que desceu à rua, como a poesia no cartaz da Vieira da Silva, (domingo que passou foi o seu dia, o da poesia) de alma e olhos abertos, a espectativa em alta, quando todas as forças partidárias existentes tinham esclarecidos os seus objectivos, e que passavam, todos eles, por cumprir o caminho do socialismo. Só o CDS, entre as forças partidárias com peso, não perscrevia essa receita, ainda que se afirmasse um partido do centro. Até o PPD, assim então chamado, tinha esse como o seu objectivo principal. A via era a reformista, lia-se, mas o caminho estava traçado.

E tudo mudou. O vento tudo levou.

Mário Soares, fundador do PS e o seu coveiro em outras tatas oportunidades, que com a idade pareceia mais de esquerda do que nunca esteve em toda a sua vida, ao falar do PEC, e ao manifestar a sua concordância com o plano no que de essencial ele tem, (ainda que advogue algumas mexidas), confundiu-se e apelidou-o de PREC. Curioso engano.

O PS propõe-se cortar nos benefícios fiscais dos cidadãos. Uma maneira ardilosa de aumentar os impostos sem os aumentar, na medida em que desvaloriza os investimentos sociais e pessoais dos cidadãos. Porque corta nos benefícios provenientes da saúde, da educação e nos PPR's.

Obriga os automobilistas a pagar nas SCUTS (Porto-Póvoa de Varzim; Porto-Aveiro, etc. O princípio do «paga quem usa» aplicado a norte, que é onde há dinheiro, pensa o Estado.

Vende património: CTT, TAP, EDP (tranches), GALP, Rede Eléctrica; as seguradoras da CGD, etc.

O que é isto? Mário Soares é que sabe. É o PREC outra vez. Mas ao contrário.

quarta-feira, março 24, 2010

congresso laranja

Sempre foi assim. Ou pelo menos, eu sempre me lembro de ver os congressos social-democratas, ou pêpêdistas, assim: cheios de brilho, de televisões, de comentadores em directo, horas a fio, a discutirem tudo e mais alguma coisa; congressistas que se toleram mas que intimamente se odeiam a tratar-se pelo primeiro nome, quando não mesmo pelos carinhosos nomes da intimidade; candidatos ao que quer que seja a organizarem as suas tropas de modo a malhar no adversário, sem ética mas com o máximo de estética, que é para ficar bem no telejornal; tudo um reboliço, tudo muito animado, pela noite dentro, como se não houvesse amanhã. Mas tudo com muita elevação, muita educação, muito estilo, muito mindinho levantado.

E este congresso foi, mais uma vez, uma coisa assim.

De há uns tempos a esta parte, os congressos social-democratas têm um senão. Qualquer coisa insignificante, que não chega para retirar brilho e interesse ao encontro: não elegem nada. E servem para muito pouco. O presidente do partido agora é eleito pelas bases, em eleições directas, e não, como nos bons velhos tempos, em pleno congresso, depois de lutas intensas, muito sangue derramado, sangue laranja obviamente, depois de muito espectáculo.

Se falo do PSD é porque foi o congresso mais recente. Dir-se-á, e com justeza, que todos os congressos são assim. Aceito. Ainda que pense que são assim, mais ou menos. Mais uns que outros. Há coisas que os distinguem. As pessoas até poderiam ser as mesmas. Se conseguirmos fazer o exercício de abstracção, talvez fiquemos com uma ideia mais concreta do que é um congresso. Veja-se este exemplo: aquele senhor que até é o presidente da câmara das Caldas da Rainha – e que eu vi distribuir panfletos aquando das últimas eleições autárquicas porque, ocasionalmente, estava lá – e o discurso que efectuou. Poucos espectadores na TV saberiam que aquele orador era um destacado militante do PSD. Passaria muito bem por militante de outro partido qualquer, sobretudo quando exigiu um copo de vinho em vez da dietética garrafinha de água. Ou quando assumiu que mentia, caso contrario não seria presidente da Câmara. Poderia, ou não poderia, ser um presidente de câmara socialista, por exemplo? E se falo no PS é porque, em concreto, são estes partidos que praticamente dividem as autarquias portuguesas.

Este congresso, não tendo nada para decidir de substantivo, tinha que arranjar umas tretas quaisquer para chamar a atenção. Não se sabe porque carga de água é que Santana Lopes se envolveu nele. Foi ele, lembre-se, quem, sozinho, o convocou, reunindo não se quantas centenas (ou milhares) de assinaturas. E para quê? Para alterar os estatutos, acrescentando-lhe umas quantas cláusulas. Entre as quais, a tal cláusula da rolha de que tanto barulho se tem feito, não se sabendo com que propósito. Mas eu creio que isso foi artifício. O que Santana Lopes queria, e quem sou eu para o pensar e, mais, para o dizer em voz alta, era voltar à ribalta e preparar o futuro que aí vem. Prevêem-se eleições dentro de pouco tempo, e Santana está já a posicionar-se para servir o país, como deputado ou o que quer que seja. Não creio que Santana almejasse uma vaga de fundo, uma corrente que ele pudesse invocar, para se recandidatar à presidência, como ouvi num momento congresseiro. Não se ganham congressos apenas concorrendo e ganhando eleições. Às vezes o mais importante é estar lá, para que se seja alguma coisa mais e se sobreviva. Que isto de ser-se advogado, é vida que ninguém deseja.

quarta-feira, março 10, 2010

porque é que não se pensa a sério nas propostas?

Li nos jornais locais uma série de notícias sobre a assembleiamunicipal de há duas semanas, creio, e fiquei especialmenteinteressado em duas das propostas apresentadas, ambas chumbadas e que,à partida, me pareciam capazes de acrescentar alguma coisa àactividade cultural e consequente fruição artística por parte dos cidadãos.Uma delas era assinada pelo Henrique Barreto Nunes, e que propunha que a Feira do Livro abandonasse a frieza do Parque de Exposições esubisse para o centro da cidade e ali se instalasse, ao ar livre.Medida que iria contrariar, pensa-se, o desinteresse que a abalroou,uma espécie de abandono mais ou menos natural, se pensarmos que aFeira sempre foi alguma coisa imposta no programa do Parque, um poucofora da lógica daquele espaço, ainda que em boa hora inventada peloJorge Cruz e pelo José Manuel Mendes. E, verdade seja dita, elafuncionou muito bem durante uma série de edições. A promoção ajudou àsua visibilidade, os escritores presentes também. Mas houve muitasmais coisas a contribuírem para isso. O que a feira de Braga teve denovo e de diferente relativamente às outras feiras que existem portodo o lado, principalmente as de Lisboa e do Porto, não agora mas emanos anteriores, era um programa de animação que passava pela presençade escritores, pela organização de debates e mesas redondas, pelosespectáculos programados no seu âmbito, normalmente três, um a abrir afeira, outro a encerrá-la e lá pelo meio, um terceiro, quiçá de menordimensão e mediatismo, mas muitas vezes mais focado na palavra, naobra literária, num autor, ou coisa do género.Ora, com os anos, essa dinâmica foi-se perdendo. O poder políticofoi-se distanciando do evento e, com ele, a comunicação social. Sem avisibilidade de outros tempos, a feira foi perdendo gás, definhando,apesar da boa vontade existente e da coragem de a reeditar ano apósano, mesmo com as dificuldades crescentes.Trazer a feira para o centro da cidade, é uma medida inteligente ecreio que dinamizadora. As actividades culturais paralelas seriamasseguradas pelos equipamentos existentes naquela zona, (eraimportante, fundamental mesmo que elas se mantivessem), equipamentosautárquicos ou não, e que existem ali, mesmo à mão de semear. Ou seja,é uma boa ideia a que o Henrique Barreto Nunes apresentou e não sepercebe porque é que não é implementada imediatamente, ou seja, jáeste ano.Outra proposta interessante foi a que o deputado do PPM, ManuelBenninguer, propôs: uma semana do barroco, tentando justificar oepíteto com que as placas que anunciam a cidade aos automobilistas naauto-estrada a baptizam. Outra boa ideia.Falarei dela – ou tentarei – num próximo post.E Feira Romana. Uma ideia engraçada, mas que sinto absurdamentedesligada da cidade.

quinta-feira, março 04, 2010

história de uma separação anunciada

Era mais ou menos um fim anunciado.

Como em qualquer coisa que se começa, aliás.

O que se inicia, também – irrevogavelmente – de desínicia.

Não há princípio que não pré-anuncie um fim, mesmo que seja princípio ainda (inocente e casto e ingénuo e profundo) de uma outra coisa.

Não há vida a que não se adivinhe a morte. E sem necessidade de recurso a grandes dotes de adivinhação. É a regra número um, ou uma das primeiras.

O que não se sabe, e esse e um dos mistérios mais estimulantes, é quando acontecerá o desenlace; quando é que uma coisa desagua na outra.

Este arrazoado todo, lapalissiano, para chegar à notícia da rescisão por mútuo acordo, (segundo reza o comunicado do conselho de administração do teatro circo), entre esta estrutura e Paulo Brandão, o até agora designado programador, ou mais pomposamente dito, director artístico.

Como em tudo na vida, o desenlace era esperado. E era-o tanto mais – e não apenas pelas razoes obvias que deixei explícitas na introdução – quanto se sabia da dificuldade de convivência entre os gestos partilhados de programar e de administrar. Notícias constantes davam conta das muitas tensões instaladas, que deixavam à mostra, neste e naquele momento de maior tensão, posições inconciliáveis, fissuras para que não se adivinhava cura. Essas tensões, de tão óbvias – os sinais eram muitos, convenhamos – faziam prever um desenlace mais rápido do que de facto aconteceu. Mas não! A relação aguentou-se muito para lá do que eu, e tantos, no melhor dos mundos, poderia imaginar como possível, revelando uma capacidade incrível para suportar o insuportável, e que me leva, nesta hora de separação, a parabenizar os protagonistas.

Há quem diga, (as más línguas), que na base desta capacidade desconhecida terá pesado um particular item no contrato do programador, onde era definida uma equação qualquer que resultava uma cláusula de rescisão quase ao nível do mundo futebolístico e que, essa, terá sido uma das razões para que, o desenlace que agora se anuncia, não tivesse já acontecido.

Convenhamos: eu não conheço o contrato, era o que faltava, logo não posso confirmar que isso seja verdade. E quero até pensar, com uma genuína crença, que os protagonistas terão conseguido conciliar as suas divergências, no pressuposto do serviço dos cidadãos, e do acesso aos bens culturais performativos – no caso – a que esses cidadãos têm direito, nomeadamente aos que o teatro circo programa ou deveria programar. E que a programação e a administração daquele equipamento, terá sido realizada nesse pressuposto. Ainda que ache que sem dinheiro não há palhaços e que esse terá sido – é-o sempre – o primeiro problema com que qualquer programador se confronta, e a razão para as mais acirradas discussões. No caso do bracarense, associe-se a isso uma visão antagónica, em conflito, do acto de programar (e de facto, diferentes programações) e teremos um cenário onde qualquer relação é difícil.

O que é facto, é que o teatro Circo está agora sem programador, ou director artístico.

O que e que vai acontecer a seguir?

Da minha parte, mesmo não acompanhando a programação do Paulo Brandão, e apesar de, do que conheço dela, a achar deficitária em muitos aspectos, aqui e ali desequilibrada até para aquilo que considero um efectivo serviço público, quero agradecer-lhe o esforço e desejar-lhe melhor a sorte em próximas tarefas.

E, finalmente, esperar que qualquer decisão seja tomada a pensar no bem comum, e nunca, no bem particular de quem quer que seja, que disso estamos mais ou menos fartos. Embora os resultados eleitorais tardem em afirmá-lo.