quarta-feira, março 24, 2010

congresso laranja

Sempre foi assim. Ou pelo menos, eu sempre me lembro de ver os congressos social-democratas, ou pêpêdistas, assim: cheios de brilho, de televisões, de comentadores em directo, horas a fio, a discutirem tudo e mais alguma coisa; congressistas que se toleram mas que intimamente se odeiam a tratar-se pelo primeiro nome, quando não mesmo pelos carinhosos nomes da intimidade; candidatos ao que quer que seja a organizarem as suas tropas de modo a malhar no adversário, sem ética mas com o máximo de estética, que é para ficar bem no telejornal; tudo um reboliço, tudo muito animado, pela noite dentro, como se não houvesse amanhã. Mas tudo com muita elevação, muita educação, muito estilo, muito mindinho levantado.

E este congresso foi, mais uma vez, uma coisa assim.

De há uns tempos a esta parte, os congressos social-democratas têm um senão. Qualquer coisa insignificante, que não chega para retirar brilho e interesse ao encontro: não elegem nada. E servem para muito pouco. O presidente do partido agora é eleito pelas bases, em eleições directas, e não, como nos bons velhos tempos, em pleno congresso, depois de lutas intensas, muito sangue derramado, sangue laranja obviamente, depois de muito espectáculo.

Se falo do PSD é porque foi o congresso mais recente. Dir-se-á, e com justeza, que todos os congressos são assim. Aceito. Ainda que pense que são assim, mais ou menos. Mais uns que outros. Há coisas que os distinguem. As pessoas até poderiam ser as mesmas. Se conseguirmos fazer o exercício de abstracção, talvez fiquemos com uma ideia mais concreta do que é um congresso. Veja-se este exemplo: aquele senhor que até é o presidente da câmara das Caldas da Rainha – e que eu vi distribuir panfletos aquando das últimas eleições autárquicas porque, ocasionalmente, estava lá – e o discurso que efectuou. Poucos espectadores na TV saberiam que aquele orador era um destacado militante do PSD. Passaria muito bem por militante de outro partido qualquer, sobretudo quando exigiu um copo de vinho em vez da dietética garrafinha de água. Ou quando assumiu que mentia, caso contrario não seria presidente da Câmara. Poderia, ou não poderia, ser um presidente de câmara socialista, por exemplo? E se falo no PS é porque, em concreto, são estes partidos que praticamente dividem as autarquias portuguesas.

Este congresso, não tendo nada para decidir de substantivo, tinha que arranjar umas tretas quaisquer para chamar a atenção. Não se sabe porque carga de água é que Santana Lopes se envolveu nele. Foi ele, lembre-se, quem, sozinho, o convocou, reunindo não se quantas centenas (ou milhares) de assinaturas. E para quê? Para alterar os estatutos, acrescentando-lhe umas quantas cláusulas. Entre as quais, a tal cláusula da rolha de que tanto barulho se tem feito, não se sabendo com que propósito. Mas eu creio que isso foi artifício. O que Santana Lopes queria, e quem sou eu para o pensar e, mais, para o dizer em voz alta, era voltar à ribalta e preparar o futuro que aí vem. Prevêem-se eleições dentro de pouco tempo, e Santana está já a posicionar-se para servir o país, como deputado ou o que quer que seja. Não creio que Santana almejasse uma vaga de fundo, uma corrente que ele pudesse invocar, para se recandidatar à presidência, como ouvi num momento congresseiro. Não se ganham congressos apenas concorrendo e ganhando eleições. Às vezes o mais importante é estar lá, para que se seja alguma coisa mais e se sobreviva. Que isto de ser-se advogado, é vida que ninguém deseja.