terça-feira, fevereiro 16, 2010

crónica de terça-feira de carnaval

Há muitas maneiras de despachar um sapato velho. De chutar para fora do nosso pé, aquilo que habitualmente chuta. E por muitas e variadas razões. Ou porque se compraram, entretanto, mais sapatos; ou porque o velho sapato ficou fora de moda; ou porque se rompeu, fez o pé molhar-se, e o arranjo, de tão caro, não se justifica; ou muito simplesmente porque, com o uso, começou a fazer magoar o pé e, mais dramaticamente, é um fazedor de desconfortáveis calos.
Isso está sempre a acontecer. Não e coisa invulgar.
No PS, e perante os desenvolvimentos recentes no caso das escutas, classificado por Sócrates como ‘jornalismo de buraco de fechadura’, fala-se agora de uma ‘moção de censura’ proposta às oposições, em jeito de desafio, mas não só. Pode ser mesmo muito mais do que isso.
Senão vejamos:
Não é estranho que um partido, que por coincidência apoia um governo, mesmo que minoritário (sobretudo por isso, mas...), que deveria falar, isso sim, de ‘moção de confiança’, fale em ‘moção de censura’ e a proponha às restantes forças partidárias? Ora, robustece-se um governo, manifestando e votando na Assembleia da República, uma moção de confiança à política desenvolvida, ao programa sufragado e às pessoas que dão corpo às políticas agendadas. Mas no PS não. No PS, com segundas intenções, ou não, pede-se às oposições que, não estando satisfeitas com o governo, apresentem uma ‘moção de censura’. Se a votação correr bem às oposições, sai de cena Sócrates, para gozo de alguns socialistas que, mais secreta ou mais publicamente, mais os primeiros que os segundos, têm aspirações ao seu lugar.
Daí eu começar por escrever que há muitas maneiras de despedir um sapato.
O desgaste de Sócrates, com estes últimos casos, está a ficar ainda mais insuportável. O homem, ou é um teimoso ou um mártir. Um herói que, julgando-se imprescindível à nação, aguenta todos os ataques, todos os enxovalhos. Que os suporta com abnegado espírito de missão.
O PS, se fosse genuinamente solidário, poderia apresentar a tal ‘moção de confiança’, mas perdia. É que ninguém, para além dos obrigados deputados socialistas, confia no governo. Com a ‘moção de censura’, poderia ser que o governo fosse mesmo censurado, as oposições se unissem, e era uma maneira bestial de acabar com ele. Mas isso interessa a quem?
Na verdade, eu creio que toda a gente acredita que Sócrates tem pulgas no seu tapete. Acontece apenas que, na política, toda a gente tem pulgas nos respectivos tapetes, e essa realidade zoológica é uma coisa mais ou menos sabida na vida politica portuguesa (mas não só). Por exemplo: toda a gente tenta controlar a comunicação social. Até Alberto João Jardim que, por causa disso mesmo, qual virgem pudica, pede a demissão de Sócrates. Marcelo, diz que também ele, sentiu ’aumentar a convicção de que o 1º ministro mentiu’.
É um verdadeiro carnaval.
Sócrates tem de mudar a imagem, diz-se nalguns círculos políticos. Pelo menos, naqueles onde se acredita, e se reza, por uma resistência estóica do ainda primeiro-ministro.
Eu, solidário, proponho que o primeiro-ministro passe a usar aparelho nos dentes, daqueles bem visíveis. Rejuvenesce – é o que dizem os estudos – porque até há muito pouco tempo o aparelho de dentes era um adereço que apenas a juventude usava, e por outro lado, manifesta a crença no futuro e, assim sendo, passa uma derradeira mensagem, mais sub-reptícia, de esperança num futuro lindo.
E agora até já há aparelhos de marca.