quinta-feira, fevereiro 11, 2010

dramático

Durante a semana que passou, não se falou de outra coisa.

Num dos dias da semana, mais em concreto, no sábado, eram quatro os acontecimentos que enchiam as páginas dos jornais, quer os lidos quer os ouvistos: as notícias mais barulhentas, eram, sem dúvida, as que falavam do braço de ferro do governo com as oposições, a propósito da lei das finanças regionais, e a outra, do caso das escutas no processo Face Oculta, que indiciam uma espécie de plataforma de acção governativa (e do primeiro-ministro, pois) para controlar a comunicação social; a terceira notícia do dia, tinha a ver com o episódio de Óbidos; e, finalmente, a cena de pugilato entre um jornalista desportivo e o seleccionador de futebol Carlos Queiroz, no aeroporto de Portela.

Interessa fixar-me nas duas primeiras, por força das expressões utilizadas pelas diferentes partes, oposições e governo. Disse-se, a propósito deste episódio, que o governo estaria a criar um clima insustentável, ao sugerir que, sendo votada a lei das finanças regionais contra a sua vontade, poderia, em última análise, demitir-se. E que, portanto, isso era ‘dramatizar’. Depois disse-se, mais concretamente, que era uma ‘palhaçada’ o que estava a passar-se na casa da democracia. À Dra. Ferreira Leite, finalmente, ouvi falar em ‘teatro’ e em ‘encenação’. Tudo expressões que usamos na actividade em que trabalho, no Teatro, e que me fazem alguma confusão na boca da classe politica.

Excepção feita à expressão ‘palhaçada’, usada vezes sem conta e nos mais variados contextos, e sempre mal porque maltrata uma arte maior, todas as outras são expressões pouco frequentadas. Ou dito de outra maneira: são expressões menos frequentadas. Na verdade, ‘dramatizar’ quer dizer, realmente, ou literalmente, ‘fazer drama’. Ora, ‘fazer drama’ é tão somente dar voz às personagens que se adivinham na obra, escrita ou não, corpo e voz, as duas num espaço construído, um espaço de ilusão, bem entendido, que o palco não é a vida nem nada que se pareça, embora o cite com maior ou menor verosimilhança. ‘Dramatizar’ é, pois, e de uma forma simplificada, ‘fazer teatro’. ‘Encenar’ já é outra coisa. É uma linguagem específica do ‘fazer teatro’. É a linguagem da cena, do colocar em cena, da organização da cena. Ora em politica, essa arte é coisa ausente. Se os políticos são actores, actores disto e actores daquilo, poderemos concluír, e creio que sem grande margem de erro, que são maus actores, ou seja, maus agentes do que querem jogar. Poucos de nós ainda acreditam no que dizem ou no que prometem, são portanto, gente sem crédito. E neste caso, como em tantos, pagam os bons pelos maus. Na politica, na portuguesa em particular, e para usar um palavrão, o efeito de ‘pantanização’ está concluído e com sucesso. Parabéns, pois, aos agentes de tal mudança.

Neste caso, mais uma vez se verifica que, usando imagens e lugares comuns, os políticos atiram as suas flechas como muito bem entendem, mas quase sempre ao lado do alvo. E como não acertam nem nunca acertarão porque incapazes de acertar (não sabem manusear o arco, nem sabem de que lado é que está o alvo), dizem aos cidadãos que o sítio onde caíram as suas flechas estrábicas, é precisamente, o sítio que alvejavam, mesmo que lhes chamem coisas que dificilmente entenderão o que seja. Faz lembrar a história do archeiro que só depois de atirar a flecha, e que corria para o sítio onde ela se cravara, e a partir dela, desenhava os círculos concêntricos.

A minha pena é de não ser capaz de juntar as três ou quatro notícias da semana passada numa só. Dou de barato a cena da base da ETA em Óbidos, por ser uma coisa demasiada pesada para o meu gosto pacifista. Mas soltar um Carlos Queiroz assanhado na notícia da ‘dramatização politica’ e transformar, por momentos, a dita casa da democracia portuguesa num exemplo filipino, tinha graça e, por momentos, era uma alegria.