quarta-feira, janeiro 20, 2010

cinquenta anos de teatro











Há datas que valem a pena ser comemoradas e creio bem que esta é uma delas.

O actor Júlio Cardoso, homem do Porto, ou pelo menos conhecido enquanto tal, está nesta altura da sua vida artística, quer enquanto actor quer enquanto encenador, quer igualmente na condição de director de uma companhia de teatro – a histórica Seiva Trupe – quer enquanto homem de cultura, a comemorar cinquenta anos de vida em cena, com um espectáculo, encenado por João Mota, outro histórico do teatro português, no teatro do Campo Alegre: EU SOU A MINHA PRÓPRIA MULHER.

Falar nesta manhã-de-domingo de Júlio Cardoso, impõe-se por variadíssimas razões. Umas mais importantes que as outras, é certo, mas por uma especialmente: 'o' Júlio representa, hoje, 'o tipo' que teve a capacidade de, resistindo, ter sido actante de um teatro fora dos grandes centros, isto se pensarmos que o Porto não é Lisboa, mesmo que - ainda assim - seja muito maior que Braga, por exemplo. Não é exemplo único, felizmente, mas talvez seja dos mais eloquentes.

É bem verdade que o tempo, e os diversos avanços verificados, veio tornar os lugares longínquos muito mais próximos que antigamente, há 50 anos atrás por exemplo, quando as duas principais cidades portugueses estavam separadas por muitas horas de distancia, mesmo que os quilómetros fossem os mesmos. Hoje esse ‘tão longe’ está esbatido. Ficam mais perto as pessoas e os projectos, menos afastadas, mais em comunhão personalizada do que então.

Mas antigamente não era assim. Quem quisesse fazer vida artística fora de Lisboa, no Porto por exemplo, arriscava-se a não ter expressão nacional, reconhecimento, mesmo que isso significasse muito pouco. Ora, Júlio Cardoso arriscou. Arriscou a vaidade se se saber reconhecido noutros palcos e por outros espectadores, mas isso é pouco, creio, quase nada, para quem tem um projecto, um ideário, e é movido por princípios que estão um pouco além das vaidadezinhas privadas. Que as também terá tido, ou não seja o actor uma alma romanticamente desejosa de reconhecimento. Mas o Júlio soube reduzir essa vaidadezinha a porções aceitáveis e sobreviveu na sua cidade. E sobreviveu bem, marcando também aí uma posição clara, dizendo aos seus conterrâneos que não era preciso ausentar-se da sua pátria, para viver dignamente. Também aí terá sido uma lição.

Nem tudo terá sido cor-de-rosa na vida artística de Júlio Cardoso.

Mas no momento em que comemora cinquenta anos de vida artística, por elementar justiça e reconhecimento, convido os leitores deste espaço a ir até ao Teatro do Campo Alegre, no Porto, e privar com ele, no sítio mais obvio, um durante um pedaço do vosso tempo. Para um actor, essa é a melhor forma de o homenagear. Eu ainda não passei por lá, que outras razões mais altas se levantam. Mas fá-lo-ei, mal o tempo mo permita.

Bom espectáculo.