quinta-feira, novembro 12, 2009

um muro com vinte anos

Passei por lá em 1992.
Ainda havia vestígios do muro. Mais que vestígios, ainda havia pedaços dele, grandes pedaços, metros de muro intacto, que se oferecia aos turistas para, a golpes consentidos, se esvaziar de mais um pedaço, pequenos os pedaços, que o muro devia chegar para todos.
Ainda guardo em casa um pedacinho desse cimento histórico que trouxe de Berlim, do muro que restava do muro em 92. E havia um grande pedaço de muro defendido dos martelos turísticos, para ser isso mesmo, um pedaço de turismo da Berlim religada. Eu não vi, mas quase me apetece pensar que, em 92, durante a noite, reconstruía-se um pedaço do muro para ser demolido no dia seguinte por mais uma horda de turistas, até porque, milagrosamente, os martelos apareciam nas mãos de todos nós, e mesmo escopro, lembro-me bem, e nos sítios onde era permitido, ou consentido, escavacar um pedacinho da história.
Percorri as ruas abertas das Berlins que por lá havia, à procura do Berliner Ensemble, o teatro de Bertolt Brecht, que acabaria por não encontrar. Mas fui ao teatro, ver um Molière, na falta do grande mestre bávaro. E pelas ruas cruzei-me com monumentos improvisados, ainda improvisados, que lembravam histórias passadas, trágicas algumas, heróicas outras. E saltitei de um lado para o outro, como de uma outra vez em que em Londres, saltitei de um meridiano para o outro, de metade da terra para a outra metade, com a ligeireza de uma borboleta. Também ali, onde o mundo se afirmava como uma espécie de tubo de ensaio, balão de experiências antropológicas, eu caminhei e joguei ao pé-coxinho com a história.
Três anos depois do muro ter sido derrubado, eu passei por lá. Com um atraso de três anos, Nada de extraordinário.
Consta que, aquele muro derrubado há vinte anos, recomeçou a ser construído noutras paragens, em Israel, por exemplo, dividindo o território com a Palestina; e em outras paragens, mesmo que não assuma o papel de muro, coisa de betão, construída pelos homens com as mãos que não se tocam, com os punhos cerrados que carregam para a luta.
No sítio onde antes de erguia um muro que divida os alemães, ergue-se hoje um outro, que talvez nunca tenha sido derrubado efectivamente, e que separa os homens que vivem naquela cidade entre gente de primeira e de segunda.
Um muro que chega até aqui, até cada um de nós.
Quantos muros ainda nos falta derrubar?