sábado, julho 25, 2009

as azias da asae

Afinal de contas, parece que a ASAE é anticonstitucional.
Quem o diz, sem que eu conheça os fundamentos de uma tal declaração, é um Tribunal, apoiado na convicção de que a polícia económica foi parida pelo governo e não pela assembleia da república, e poderá estar, por isso, a respirar fora da legitimidade constitucional. O que poderá ter consequências terramotais, imagino, em razão das tantas decisões entretanto assumidas, todos os actos praticados.
E se assim for, como é que se descalça esta bota? E agora? As investigações que já foram desencadeadas e que deram origem a procedimento criminal, têm possibilidade de reversão?
As rusgas efectuadas a tantos estabelecimentos, de restauração mas não só, com o consequente e obrigatório cumprimento de modificações profundas determinadas, (algumas delas, por tão extensas e dispendiosas, que obrigaram ao encerramento de estabelecimentos por prazos extensíssimos, de modo a requalificar os serviços e o espaço onde eles são prestados) podem voltar atrás? Podemos tornar a usar, sem receio de sermos multados, as nossas tão amadas e saudosas, colheres de pau? E os custos das alterações realizadas em tantas cozinhas de tantos estabelecimentos comerciais e que afinal, – porventura essa pode ser uma das ilações a extrair desta declaração do tribunal, – não eram necessárias, ou que, pelo menos, não eram obrigatórias, e que, por isso, ultrapassam largamente o que a lei estabelece e que a ASAE, diz o tribunal, extrapolou? Quem é que paga tudo isso?
E os feirantes que, mesmo violando uma lei que protege a propriedade intelectual, se viram obrigados a correr à frente dos agentes pidescos da ASAE (com todo o respeito, diga-se… è que às vezes, parecia mesmo… apesar do respeito que, pelos vistos, não era constitucional…), ou viram confiscados os seus DVD’s e CD’s, cassetes piratas, calças de marca, carteiras afamadas no mundo da contrafacção, perfumes cheios de bom ar? É que essa gente perdeu dinheiro, pelo menos em duas ocasiões: quando se viram privados desses produtos, confiscados pelos senhores agentes asaerados, e que eles já tinham pago; e porque se viram privados das receitas que as vendas desses produtos deixaram de originar, as chamadas mais-valias, com prejuízo obvio para a economia familiar?
Quem é que paga tudo isso?
E quem é que repõe a legitimidade constitucional?
Há correcções à lei, se é que a lei necessita de ser corrigida, que podem custar muito caro, mormente em tempos de crise como a que vivemos.
Ou a história de que, na coisa pública, não é só Manuel Pinho (e através dele o Governo, mesmo que ele deixe de o representar minutos depois) que faz corninhos à oposição. Neste momento, já são é o tribunal que faz corninhos ao governo.

quinta-feira, julho 23, 2009

a minha ida à lua

Anteontem, fez quarenta anos que o homem terá pisado o solo lunar.
Eu tinha oito escassos anos quando isso aconteceu.
Tenho andado a espremer-me todo, a tentar recordar aquele dia lunar, e não consigo descortinar nada, nada de conclusivo, de certo, por trás desta nebelina de tempo e confusão que se instalou na minha memória distante.
Nem sei se já existia televisão em minha casa. Há balizas de tempo que se estabelecem claramente na minha memória, e a da televisão em casa, por te sido tão importante, é uma delas. Mas não consigo com exactidão concluir o que quer que seja… É que quarentas anos passaram, não apenas na alunagem da Apolo 12, mas igualmente por mim.
Bom, se não havia televisão em casa, ela estaria para chegar, isso e certo. Uma grande televisão a preto e branco, em segunda mão, com um caixotinho ao lado, que se ligava antes de se ligar a TV, e que se chamava Estabilizador e que, voilà, estabilizava a corrente, dizia-se, impedindo que a Televisão se estragasse com algum pico de energia, coisa mais ou menos frequente nos dias que corriam.
Há quarenta anos, não sei – portanto – se a TV já teria chegado à Rua da Fonte, nº 59, 1º andar. Sei que quando chegou, a instalaram num dos quartos desocupados da casa, quarto de hóspedes, e que passaria, a partir daí, a ser sala de TV. A antena interior muito bem esticada nos tectos, provisória, até que uma coisa externa à casa, alta e magnífica, captasse o sinal e substituísse, com vantagens diga-se, a teia de aranha eléctrica instalada.
Mas em casa dos meus avôs, quer dos paternos quer dos maternos, não havia TV. E não creio que tenham ido ao café ver o que quer que fosse, ate porque não havia café perto. Havia sim, no cimo do povo, a venda da Cristina (uma mulher já velha mas a quem todos tratavam assim, com amizade e consideração), e onde se abasteciam, tantas vezes a fiado, as dispensas dos aldeões; e ao lado, a tasca onde se bebiam uns copos e se conversava acerca da vida. O céu e o inferno lado a lado. Mas televisão era coisa que, igualmente, não havia por ali. Ao senhor Alberto, marido da Cristina, já lhe tremiam as mãos quando servia copos de vinho, e era tanto o desperdício que pouco tempo depois a tasca fechou. Não por causa disso, mas também por causa disso. O senhor Alberto estava muito doente e morreria pouco tempo depois.
O meu avô paterno, pessoa dura e amargurada, em conflito com a vida – pelo menos parecia –, dono de um feitio pessimista talvez resultante das voltas desconcertadas que a sua vida conhecera, decepcionado, não admitia a possibilidade do homem ter posto o pé em tal sítio. E afirmou-o peloa anos fora, mesmo depois de ter visto as imagens.
Eu, pelo contrário, terei chegado à aldeia empolgado com a viagem a que terei assistido ou em casa, ou em algum outro sítio. Terei, como tantos, feito serão, adormecido talvez durante a viagem ao colo – talvez – da minha mãe, e acordado quando a cápsula alunou, adormecido outra vez e acordado, quando o Adão lunar terá aberto a porta daquela coisa e saltado para as areias desconhecidas.
Para o meu avô, era tudo uma grande bobagem, como dizia num misto de brasilêz sem sotaque, só léxico, mas com as tónicas na portugalidade esquinada. Que não acreditava. Que era tudo uma grande sacanagem, que o homem saltara em cima de colchões… Podia-se lá saltar assim na lua… Que eu era um moléque que não percebia nada… Morreu, sem acreditar, muitos anos depois. Céptico como sempre foi.
Na comemoração dos 40 anos da viagem, descobri que, mesmo tantos anos depois, o meu avô, sendo vivo, não estaria só no cepticismo. Pessoas muito mais informadas, continuam a desacreditar. E perante todas as maquinações que se lêem e se ouvem, e numa espécie de homenagem à memória e ao cepticismo do meu avô, pergunto-me:
Terei eu, há quarenta anos, estado acordado para nada?

quarta-feira, julho 08, 2009

20 anos de rádio universitária

A Rádio Universitária do Minho emite regularmente desde há vinte anos.
Pronto. Acontece aos melhores. Quer dizer: aguentarem-se durante duas décadas, fieis a um propósito, mesmo que esse propósito se afirme, e se afine, com as mais variadas pessoas que vão chegando para trabalhar na estação, e para a dirigir, e afirmá-la, apesar das enormes dificuldades que se apresenta dirigir o que quer que seja, para mais uma coisa como esta, uma coisa da fala, coisa cantante, plural, democrática, universal, cultural, generalista, das margens, logo, alternativa.
Estes eram os conceitos (associados a outros tais) que marcavam o imaginário de todos os que tiveram importância na rádio que se fez, e que eram todos, porque como bem me recordo, fazia-se nesses tempos a apologia da responsabilidade partilhada, e foi nesse contexto que tantos de nós cresceram, erraram e aprenderam, repetiram para poder falhar cada vez melhor (como diria o senhor Becket), numa velocidade incrível, como só o sabe e o experimentou quem, neste minuto, está já a construir o minuto seguinte, e assim sucessivamente, numa vertigem paraquedista.
Tudo isto é normal, nada de mais, vinte anos não são mais que vinte anos, uma sequência de dias, de semanas, de meses, repetidos vinte vezes. O mundo está farto de passar por experiências semelhantes, já não se admira.
De diferente… de definitivamente diferente, está o facto de eu ter estado lá, naqueles dias distantes e tão próximos de paixão atoleimada, e sobretudo, de já se terem passado vinte anos desde que alguém carregou no play na primeira canção, abriu o microfone para dizer a primeira baboseira. Eu estava lá. E desde esse dia, já e passaram vinte anos. Uáu!
É certo que desde 2000 abandonei os caminhos diários da rádio. Já não me movo naqueles corredores como antigamente, nem, antes deles, nas saletas minúsculas dos anteriores estúdios da rum, na antiga sede da Associação na Afonso Henriques, que também frequentei, não tanto para fazer rádio, que isso era coisa que já raramente se fazia por ali (naqueles tempos), mas para ouvir a música que sobrara, a pouca que ainda por lá havia, em vinil riscado aqui e ali, mas que dava gosto ouvir, enquanto se bebiam cervejas compradas no bar a preços frescos, se conversava e se sonhava com a rádio a sério.
Vinte anos depois, aqui venho, prestar tributo a esses tempos. Desejar que outros vinte passem por estas memórias, que sejam também eles memória nostálgica para outros que por lá já estejam, ou que venham a estar.
Vinte anos depois, e sem dizer um único nome, quero prestar homenagem aos que ergueram a utopia daquela rádio. E dizer-lhes que os tenho, a todos, na gaveta das minhas mais gratas recordações. A esses e aos que vieram depois deles, que se cruzaram comigo por lá, que cresceram ao mesmo tempo que eu e, solidariamente, me ajudaram a crescer.