quinta-feira, julho 23, 2009

a minha ida à lua

Anteontem, fez quarenta anos que o homem terá pisado o solo lunar.
Eu tinha oito escassos anos quando isso aconteceu.
Tenho andado a espremer-me todo, a tentar recordar aquele dia lunar, e não consigo descortinar nada, nada de conclusivo, de certo, por trás desta nebelina de tempo e confusão que se instalou na minha memória distante.
Nem sei se já existia televisão em minha casa. Há balizas de tempo que se estabelecem claramente na minha memória, e a da televisão em casa, por te sido tão importante, é uma delas. Mas não consigo com exactidão concluir o que quer que seja… É que quarentas anos passaram, não apenas na alunagem da Apolo 12, mas igualmente por mim.
Bom, se não havia televisão em casa, ela estaria para chegar, isso e certo. Uma grande televisão a preto e branco, em segunda mão, com um caixotinho ao lado, que se ligava antes de se ligar a TV, e que se chamava Estabilizador e que, voilà, estabilizava a corrente, dizia-se, impedindo que a Televisão se estragasse com algum pico de energia, coisa mais ou menos frequente nos dias que corriam.
Há quarenta anos, não sei – portanto – se a TV já teria chegado à Rua da Fonte, nº 59, 1º andar. Sei que quando chegou, a instalaram num dos quartos desocupados da casa, quarto de hóspedes, e que passaria, a partir daí, a ser sala de TV. A antena interior muito bem esticada nos tectos, provisória, até que uma coisa externa à casa, alta e magnífica, captasse o sinal e substituísse, com vantagens diga-se, a teia de aranha eléctrica instalada.
Mas em casa dos meus avôs, quer dos paternos quer dos maternos, não havia TV. E não creio que tenham ido ao café ver o que quer que fosse, ate porque não havia café perto. Havia sim, no cimo do povo, a venda da Cristina (uma mulher já velha mas a quem todos tratavam assim, com amizade e consideração), e onde se abasteciam, tantas vezes a fiado, as dispensas dos aldeões; e ao lado, a tasca onde se bebiam uns copos e se conversava acerca da vida. O céu e o inferno lado a lado. Mas televisão era coisa que, igualmente, não havia por ali. Ao senhor Alberto, marido da Cristina, já lhe tremiam as mãos quando servia copos de vinho, e era tanto o desperdício que pouco tempo depois a tasca fechou. Não por causa disso, mas também por causa disso. O senhor Alberto estava muito doente e morreria pouco tempo depois.
O meu avô paterno, pessoa dura e amargurada, em conflito com a vida – pelo menos parecia –, dono de um feitio pessimista talvez resultante das voltas desconcertadas que a sua vida conhecera, decepcionado, não admitia a possibilidade do homem ter posto o pé em tal sítio. E afirmou-o peloa anos fora, mesmo depois de ter visto as imagens.
Eu, pelo contrário, terei chegado à aldeia empolgado com a viagem a que terei assistido ou em casa, ou em algum outro sítio. Terei, como tantos, feito serão, adormecido talvez durante a viagem ao colo – talvez – da minha mãe, e acordado quando a cápsula alunou, adormecido outra vez e acordado, quando o Adão lunar terá aberto a porta daquela coisa e saltado para as areias desconhecidas.
Para o meu avô, era tudo uma grande bobagem, como dizia num misto de brasilêz sem sotaque, só léxico, mas com as tónicas na portugalidade esquinada. Que não acreditava. Que era tudo uma grande sacanagem, que o homem saltara em cima de colchões… Podia-se lá saltar assim na lua… Que eu era um moléque que não percebia nada… Morreu, sem acreditar, muitos anos depois. Céptico como sempre foi.
Na comemoração dos 40 anos da viagem, descobri que, mesmo tantos anos depois, o meu avô, sendo vivo, não estaria só no cepticismo. Pessoas muito mais informadas, continuam a desacreditar. E perante todas as maquinações que se lêem e se ouvem, e numa espécie de homenagem à memória e ao cepticismo do meu avô, pergunto-me:
Terei eu, há quarenta anos, estado acordado para nada?