domingo, outubro 14, 2012

intervenção de 13 de outubro de 2012


Poderia iniciar esta minha brevíssima intervenção, com uma citação de Camões, mas resisto a fazê-lo porque não gosto das más companhias, mesmo as que habitam o condomínio das citações e, prefiro, neste contexto, citar Almada Negreiros, a propósito da situação que vivemos: ‘’morra o Dantas, morra, pim’’.
É que a ideia que os últimos governos, e este particularmente, tem das artes e da cultura, não lembra ao diabo do analfabetismo. A questão já nem é sobre a gestão cultural, artística… A coisa é da ordem da lógica. E da lógica mais comezinhas, a do merceeiro: tudo começa e termina na dívida, mãe e madrasta das tremendas dificuldades que estamos a viver.
Senão veja-se a terrível contradição:
Anteriores governos deste país, realizaram importante investimento em infraestruturas várias, mormente no que às artes performativas diz respeito, recuperarando teatros, auditórios, cineteatros, etc, mas também museus e bibliotecas, e com isso, levantar uma rede nacional de equipamentos culturais, capaz de sustentar uma nova política artística e, sobretudo, uma esperança. E nesse investimento estiveram as estruturas locais, autarquias incluídas. Agora, por força destes sucessivos passos atrás, assistimos embaraçados ao definhar progressivo de tantos desses espaços, por não estarem garantidos orçamentos mínimos para a produção de objectos que possam habitar esses teatros, votando-os a um abandono escandaloso, que os investimentos realizados contraditam.
De que vale ter belas salas de espectáculos, e bem equipadas, em Braga, ou Vila Real de tras-os-montes, ou Bragança, ou Viana do Castelo, se não há capacidade para programar devidamente esses lugares? Se as Unidades de Produção de espectáculos que ainda resistem, algumas delas verdadeiramente históricas, lutam para sobreviver ao desânimo e ao desinvestimento?
Há uns anos atrás, os artistas viveram embalados pelo sonho de verem reflectido no orçamento de estado, na coluna do investimento, uma valor a rondar o 1%, capaz de suprir o desejo de cultura, atenção e resposta que todos sentíamos merecer, os artistas e o país. E por momentos, tivemos esperança que esse objectivo fosse alcançado. E ultrapassado, até.
Onde esses tempos já vão.
De degrau em degrau, fomos consentindo que o desinvestimento artístico cavasse mais fundo na nossa depressão colectiva, fosse mais fundo na nossa desgraça. O buraco para onde nos atiram com requintes de malvadez, por mais impossível que nos pareça, pode ser sempre mais fundo, mais escuro, mais sem regresso. E essa é a lição que vamos aprendendo e com que custos.
O que civilizadamente conseguimos ir ganhando nestes últimos quarenta anos, (na cultura… mas também na educação e na saúde, por exemplo), está a ser destruído a uma velocidade vertiginosa. Tanto tempo e tanta luta para conseguirmos ser um bocadinho mais felizes, mais sensíveis, mais tolerantes, mais civilizados, mais livres, e tão rapidamente vemos destruídas essas conquistas e pressentimos a destruição que por aqui grassará ainda mais.
É que os políticos têm da cultura em geral, e das artes performativas em particular, a ideia da flor na lapela, da coisa primeiramente dispensável, um adorno que fica bem em ocasiões especiais mas de que podemos prescindir sem grande remorso.
E porquê? Porque a cultura não garante carneirismos. Não é coisa de subservientes. Não significa votos directamente vertidos em sede de eleições. A cultura e as artes são, isso sim, motores da liberdade, bandeira desfraldada por gente livre. Um bom espectáculo de teatro, por exemplo, é um passo em frente na nossa liberdade e no nosso auto-desígnio. E isso, é o que menos interessa ao poder déspota, seja ele qual for. Porque significa um investimento não canalizável, não directamente revertível em votos e em eleições.
Os maus políticos que nos têm governado dão-se ao luxo, como José Sócrates fez, por exemplo, e com descarada desfaçatez, de assumir como grande pecado do seu governo, a importância residual que emprestou às questões da cultura. Na última campanha eleitoral usou essa bandeira e à sua sombra chorou crocodilamente esse desfavorecimento e prometeu mudanças num próximo ciclo governativo. Não protagonizadas por ele, mas elas aí estão.
Este primeiro ministro, ainda mais pragmático, não fez as coisas por menos. Um ministro para as coisas da cultura? Para quê, se o projecto cultural que lhe importa, é reduzir esse esforço até estrangular toda a actividade, e nada restar? Um secretário de estado chega e sobra para as coisas que se querem deixar de fazer. Na verdade, qualquer mulher a dias serve para limpar o pó aos cacos que restarem em cima dos móveis, terminada esta legislatura.
É por isso que eu acabo exactamente como comecei, citando Almada, não já à procura do Dantas, coitado, mas apontando o dedo a todas estas desconsiderações:
‘’Morra o Dantas morra, pim.’’