intervenção de 13 de outubro de 2012
Poderia
iniciar esta minha brevíssima intervenção, com uma citação de Camões, mas
resisto a fazê-lo porque não gosto das más companhias, mesmo as que habitam o
condomínio das citações e, prefiro, neste contexto, citar Almada Negreiros, a
propósito da situação que vivemos: ‘’morra o Dantas, morra, pim’’.
É que a ideia
que os últimos governos, e este particularmente, tem das artes e da cultura,
não lembra ao diabo do analfabetismo. A questão já nem é sobre a gestão
cultural, artística… A coisa é da ordem da lógica. E da lógica mais comezinhas,
a do merceeiro: tudo começa e termina na dívida, mãe e madrasta das tremendas
dificuldades que estamos a viver.
Senão veja-se
a terrível contradição:
Anteriores
governos deste país, realizaram importante investimento em infraestruturas
várias, mormente no que às artes performativas diz respeito, recuperarando
teatros, auditórios, cineteatros, etc, mas também museus e bibliotecas, e com
isso, levantar uma rede nacional de equipamentos culturais, capaz de sustentar
uma nova política artística e, sobretudo, uma esperança. E nesse investimento
estiveram as estruturas locais, autarquias incluídas. Agora, por força destes
sucessivos passos atrás, assistimos embaraçados ao definhar progressivo de tantos
desses espaços, por não estarem garantidos orçamentos mínimos para a produção
de objectos que possam habitar esses teatros, votando-os a um abandono
escandaloso, que os investimentos realizados contraditam.
De que vale
ter belas salas de espectáculos, e bem equipadas, em Braga, ou Vila Real de
tras-os-montes, ou Bragança, ou Viana do Castelo, se não há capacidade para
programar devidamente esses lugares? Se as Unidades de Produção de espectáculos
que ainda resistem, algumas delas verdadeiramente históricas, lutam para
sobreviver ao desânimo e ao desinvestimento?
Há uns anos
atrás, os artistas viveram embalados pelo sonho de verem reflectido no
orçamento de estado, na coluna do investimento, uma valor a rondar o 1%, capaz
de suprir o desejo de cultura, atenção e resposta que todos sentíamos merecer,
os artistas e o país. E por momentos, tivemos esperança que esse objectivo
fosse alcançado. E ultrapassado, até.
Onde esses
tempos já vão.
De degrau em
degrau, fomos consentindo que o desinvestimento artístico cavasse mais fundo na
nossa depressão colectiva, fosse mais fundo na nossa desgraça. O buraco para
onde nos atiram com requintes de malvadez, por mais impossível que nos pareça,
pode ser sempre mais fundo, mais escuro, mais sem regresso. E essa é a lição
que vamos aprendendo e com que custos.
O que
civilizadamente conseguimos ir ganhando nestes últimos quarenta anos, (na
cultura… mas também na educação e na saúde, por exemplo), está a ser destruído
a uma velocidade vertiginosa. Tanto tempo e tanta luta para conseguirmos ser um
bocadinho mais felizes, mais sensíveis, mais tolerantes, mais civilizados, mais
livres, e tão rapidamente vemos destruídas essas conquistas e pressentimos a
destruição que por aqui grassará ainda mais.
É que os
políticos têm da cultura em geral, e das artes performativas em particular, a
ideia da flor na lapela, da coisa primeiramente dispensável, um adorno que fica
bem em ocasiões especiais mas de que podemos prescindir sem grande remorso.
E porquê?
Porque a cultura não garante carneirismos. Não é coisa de subservientes. Não
significa votos directamente vertidos em sede de eleições. A cultura e as artes
são, isso sim, motores da liberdade, bandeira desfraldada por gente livre. Um
bom espectáculo de teatro, por exemplo, é um passo em frente na nossa liberdade
e no nosso auto-desígnio. E isso, é o que menos interessa ao poder déspota,
seja ele qual for. Porque significa um investimento não canalizável, não
directamente revertível em votos e em eleições.
Os maus
políticos que nos têm governado dão-se ao luxo, como José Sócrates fez, por
exemplo, e com descarada desfaçatez, de assumir como grande pecado do seu
governo, a importância residual que emprestou às questões da cultura. Na última
campanha eleitoral usou essa bandeira e à sua sombra chorou crocodilamente esse
desfavorecimento e prometeu mudanças num próximo ciclo governativo. Não
protagonizadas por ele, mas elas aí estão.
Este primeiro
ministro, ainda mais pragmático, não fez as coisas por menos. Um ministro para
as coisas da cultura? Para quê, se o projecto cultural que lhe importa, é
reduzir esse esforço até estrangular toda a actividade, e nada restar? Um
secretário de estado chega e sobra para as coisas que se querem deixar de
fazer. Na verdade, qualquer mulher a dias serve para limpar o pó aos cacos que
restarem em cima dos móveis, terminada esta legislatura.
É por isso
que eu acabo exactamente como comecei, citando Almada, não já à procura do
Dantas, coitado, mas apontando o dedo a todas estas desconsiderações:
‘’Morra o Dantas morra, pim.’’
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