es.cola
Na
comunicação social, mais ou menos evidentemente, os jornalistas vão dirigindo a
nossa atenção para este ou para aquele acontecimento, conforme fazem eles
mesmos, leitura do que está a acontecer. Às vezes não percebemos o especial
enfoque neste evento; outras vezes não entendemos porque é que se fala de menos
naqueloutro.
Na minha
atenção, da semana passada, fica a imagem da escola do alto da Fontinha, no
Porto, a ser re-ocupada pelas forças policiais. Ao estilo trauliteiro do
antigamente.
Faço aqui um
parêntesis nada a propósito, para citar uma frase ouvida ao pintor Julio Pomar
a propósito do fascismo e de Salazar: porque era algo em movimento, se devia
dizer salazarento.
A reocupação
da escola pelas forças policiais, são uma acção de enorme gravidade, pelo
aparato pois, mas também pela envolvência. A acção que as televisões mostraram
fez com que a nossa atenção ficasse focada numa escola fechada e ocupada por um
grupo de gente, que, conjuntamente com a comunidade, lançara um projecto de
revitalização das instalações devolutas, semi-destruídas, abandonadas.
A escola,
pelo que me é dito, encerrada durante cinco anos, tinha sido recuperada por
esta gente aparentemente anarca, pintada sabe-se lá como, os vidros recolocados
nas janelas, as salas reacitivadas com actividades várias, desde espaço para o
estudo depois da escola oficial, passando por aulas de yoga, boxe, informática,
uma biblioteca, cantina (e dizem-me que crianças havia que tinham ali a sua
única refeição do dia), e sei lá que mais.
Quando a
comunicação social falava do Alto da Fontinha, confesso que não associei a
coisa ao lugar. Mas de facto, já por lá tinha passado. A escola e aqueles
habitantes já eram seres meus conhecidos.
Durante uns
tempos ensaiei na Fundação José Rodrigues, o projecto À Procura de Ricardo III.
Ao subir para a Fábrica, com os pulmões a querem saír-me pela boca fora, passava
por esta espécie de escola. Via-se que sim, que tinha sido uma escola, (que era
uma escola…, a arquitetura era a mesma cuspida e escarrada, mas os habitantes
não). Havia cães que passeavam no sítio, crianças a fazer as mais variadas
coisas, gente que entrava e saía, música às vezes, batucada, percebia-se que
havia artes circenses, umas estruturas que não conseguia identificar mas que
eram espaços para uma ginástica do corpo em gesto performativo e, mesmo, local
de apresentação de espectáculos, mormente dos Circolando. E havia cartazes com
convocatórias para reuniões alargadas da comunidade, agendas de reuniões,
conclusões afixadas, decisões a tomar.
Não sei
porquê, nunca associei esta escola a este projecto de okupas, os tipos que tornam
o espaço público abandonado em coisa nova, ao serviço das populações, que
naquele caso estão ainda mais abandonadas que aquela escola.
Rui Rio, vá
lá saber-se porquê, depois de muito pacientemente ter andado em negociações –
ou não – com aquela malta, resolveu reavivar a nossa memória, e lembrar-nos as
gloriosas noites/horas do Rivoli, quando umas dezenas de pessoas ocuparam a
sala pequena do teatro municipal, e mantiveram a excitação elevada durante uns
quantos dias.
A polícia
haveria de retirar uns e outros. Aos dias de acupação do Rivoli sucedeu-se este
ano e picos de ocupação desta escola.
O estado,
seja ele autárquico ou não, não pode tirar aos cidadãos o que ele próprio lança
no caixote do lixo. O que aconteceu naquela escola, foi um segundo – ou
terceiro, ou décimo… – atentado contra as pessoas do bairro que já são
marginalizadas em contexto social, económico, político.
Os tempos
salazarentos, como na expressão de Júlio Pomar, continuam. O rolo compressor,
sempre em movimento, vai esmagando a nossa consciência e a nossa dignidade em
labareda. Até ao momento em que, à força de tanta pancada, obriguemos o rolo
inverter a marcha e a rolar em sentido contrário.
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