sexta-feira, abril 27, 2012

es.cola


Na comunicação social, mais ou menos evidentemente, os jornalistas vão dirigindo a nossa atenção para este ou para aquele acontecimento, conforme fazem eles mesmos, leitura do que está a acontecer. Às vezes não percebemos o especial enfoque neste evento; outras vezes não entendemos porque é que se fala de menos naqueloutro.
Na minha atenção, da semana passada, fica a imagem da escola do alto da Fontinha, no Porto, a ser re-ocupada pelas forças policiais. Ao estilo trauliteiro do antigamente.
Faço aqui um parêntesis nada a propósito, para citar uma frase ouvida ao pintor Julio Pomar a propósito do fascismo e de Salazar: porque era algo em movimento, se devia dizer salazarento.
A reocupação da escola pelas forças policiais, são uma acção de enorme gravidade, pelo aparato pois, mas também pela envolvência. A acção que as televisões mostraram fez com que a nossa atenção ficasse focada numa escola fechada e ocupada por um grupo de gente, que, conjuntamente com a comunidade, lançara um projecto de revitalização das instalações devolutas, semi-destruídas, abandonadas.
A escola, pelo que me é dito, encerrada durante cinco anos, tinha sido recuperada por esta gente aparentemente anarca, pintada sabe-se lá como, os vidros recolocados nas janelas, as salas reacitivadas com actividades várias, desde espaço para o estudo depois da escola oficial, passando por aulas de yoga, boxe, informática, uma biblioteca, cantina (e dizem-me que crianças havia que tinham ali a sua única refeição do dia), e sei lá que mais.
Quando a comunicação social falava do Alto da Fontinha, confesso que não associei a coisa ao lugar. Mas de facto, já por lá tinha passado. A escola e aqueles habitantes já eram seres meus conhecidos.
Durante uns tempos ensaiei na Fundação José Rodrigues, o projecto À Procura de Ricardo III. Ao subir para a Fábrica, com os pulmões a querem saír-me pela boca fora, passava por esta espécie de escola. Via-se que sim, que tinha sido uma escola, (que era uma escola…, a arquitetura era a mesma cuspida e escarrada, mas os habitantes não). Havia cães que passeavam no sítio, crianças a fazer as mais variadas coisas, gente que entrava e saía, música às vezes, batucada, percebia-se que havia artes circenses, umas estruturas que não conseguia identificar mas que eram espaços para uma ginástica do corpo em gesto performativo e, mesmo, local de apresentação de espectáculos, mormente dos Circolando. E havia cartazes com convocatórias para reuniões alargadas da comunidade, agendas de reuniões, conclusões afixadas, decisões a tomar.
Não sei porquê, nunca associei esta escola a este projecto de okupas, os tipos que tornam o espaço público abandonado em coisa nova, ao serviço das populações, que naquele caso estão ainda mais abandonadas que aquela escola.
Rui Rio, vá lá saber-se porquê, depois de muito pacientemente ter andado em negociações – ou não – com aquela malta, resolveu reavivar a nossa memória, e lembrar-nos as gloriosas noites/horas do Rivoli, quando umas dezenas de pessoas ocuparam a sala pequena do teatro municipal, e mantiveram a excitação elevada durante uns quantos dias.
A polícia haveria de retirar uns e outros. Aos dias de acupação do Rivoli sucedeu-se este ano e picos de ocupação desta escola.
O estado, seja ele autárquico ou não, não pode tirar aos cidadãos o que ele próprio lança no caixote do lixo. O que aconteceu naquela escola, foi um segundo – ou terceiro, ou décimo… – atentado contra as pessoas do bairro que já são marginalizadas em contexto social, económico, político.
Os tempos salazarentos, como na expressão de Júlio Pomar, continuam. O rolo compressor, sempre em movimento, vai esmagando a nossa consciência e a nossa dignidade em labareda. Até ao momento em que, à força de tanta pancada, obriguemos o rolo inverter a marcha e a rolar em sentido contrário.