quarta-feira, dezembro 21, 2011

Sim, pois, não é novidade nenhuma, nós sabemos que a informação, a informaçãozinha, está transformada em espectáculo. Qualquer coisa de primário, entre o circo – com todo o respeito pelo circo, atenção, que é um espectáculo maior – enquanto coisa que se improvisa às vezes a partir do muito pouco, algo construído ao sabor da corrente e dos ventos, e a coisa em si mesma, ela própria, acontecimento não planeado que importa relatar. Mas como, muitas vezes, o simples relato da coisa parece ser de somenos importância, há que imputar à coisa, ao acontecimento, uma carga que provavelmente ele (ou ela) não terá, ou tendo-o, não se evidencia e, até, pelo contrário, se esconde num plano secundário, natural para a coisa em si.

No tempo em que também eu fazia jornalismo, ou coisa semelhante, iluminado pelas análises que o António Jorge Branco fazia para os jornalistas e jornais informativos da Rádio Nova e da TSF que eu avidamente lia, graças a jornalistas amigos, diziamos que a notícia, como uma boa história, tem não um, mas diferentes tempos de vida: um, é a narração do acontecimento, e outro, por exemplo, a narração dos tantos movimentos, ou reacções, que o acontecimento desencadeia. Como se o acontecimento fosse a pedra que cai na água, valesse ela o que valesse, e as ondas que ela provoca fossem as histórias e as outras tantas vidas posteriores.

Esses tempos, ou etapas, estão hoje em dia, na voragem dos acontecimentos, todas misturadas. Eu diria que ‘desonestamente misturadas’. Ou ‘ignorantemente misturadas’, coisa no que acredito cada vez menos.

E é assim que, nos momentos que se seguiram ao resgate dos Pescadores das Caxinas ao largo da Figueira da Foz, notícia de há três semanas, para a jornalista que ouvi numa das televisões, tão importante que a história do resgate, era saber pela boca dos aturdidos pescadores, se a Força Aérea não teria demorado tempo excessivo para cumprir o salvamento. O mestre, mais esclarecido e resguardado pelos amigos, lá foi dizendo que não, que estava era muito agradecido, e nesse abraço comovido envolvia todos, também a Senhora de Fátima, a quem desesperadamente, todos haviam rezado, uns em silêncio e outros de viva voz, disse. E a jornalista, insensível a estas questões menores, a insistir na mesma tecla terrorista incendiária, sobre o tempo do salvamento, não percebendo que essa era questão para uma segunda ou terceira vaga noticiosa, muito mais interessada na polémica que na notícia em si mesma, talvez porque da polémica resultasse a manutenção do seu trabalho e do seu salário.

Mais ao lado, depois de retirado o mestre para uma zona de maior protecção destes predadores da informação, e escrevo predadores para não dizer abutres, um popular, talvez familiar de um dos salvados, erguia as mão e dizia: isto é mais que um milagre, isto é a sorte grande.

Donde se conclui que os milagres já não são o que eram, quando na hierarquia das coisas boas, são suplantados pelo jogo.

Talvez, mais um sinal dos tempos.