quinta-feira, junho 02, 2011

De Espanha, diz o ditado popular, nem bom vento nem bom casamento. E agora, com toda a propriedade, podemos acrescentar que, ‘nem bons pepinos’. Uma bactéria qualquer, pelos vistos alojada nos pepinos espanhóis, está a dar cabo da cabeça aos alemães que, ao que se sabe pelas notícias, já contabilizam dez mortos entre os que se deixaram contaminar.

A notícia, que se saiba, ainda não tem repercussões assinaláveis em Portugal. Nem assinaláveis nem por assinalar, creio que nada se tem dito aqui deste lado da fronteira e, por isso, a campanha eleitoral segue de vento em popa, ou melhor, de vento nos pepinos, à procura dum casamento certo. Na verdade, de entre os dotes apresentados aos pais da noiva, que é o que nós somos, paizinhos de uma menina com oitocentos anos de idade mas cheia de pretendentes, não creio que haja o que quer que seja que verdadeiramente nos seduza. Não há animais, nem bordados como antigamente se fazia, nem propriedades, nem a promessa de um amanhã risonho. Pelo contrario: há promessas, mesmo que enfeitadas com as mais disparatadas baboseiras, de privação, escassez, desemprego, ainda mais cortes nas conquistas que fomos conseguindo e desconseguindo, um pouco-muito-mais desta democracia que já não nos basta, e que já não basta a tantos e tantos pelo mundo fora.

As manifestações que em Espanha - precisamente o sítio donde vêm os pepinos - têm conseguido juntar, para livremente debater o estado das coisas, centenas-milhares de pessoas, são uma luz irreprimível que brilha ao fundo do túnel. Amigos meus, a propósito de manifestações semelhantes que já tiraram dos seus poleiros dourados alguns ditadores, dizem-me que de pouco servirão se não forem devidamente capitalizadas as suas frustrações, a sua desobediência, e a sua incomensurável rebelião. Mas se alguém colhesse esses frutos da árvore que se rebustece a cada dia que passa, estaria a tolher a organização naquilo que ela tem de especial e de essencial: nasceu mais ou menos espontaneamente e rege-se apenas pela lei da insatisfação, da revolta, da incapcidade de se fazer silêncio sobre as coisas mais importantes, que é o que nós, colectivamente, somos. E antes de sermos colectivo, somos individualidades. Os meus amigos dizem-me que, precisamente, as individualidades não conseguirão nunca nada, nenhum mundo melhorará com elas. Que só transformando estas individualidades num colectivo dinamizado, é que se se chegará a algum sítio. Eu, por mim, só de os ver acampados numa praça qualquer, em reuniões sucessivas, discutindo isto e aquilo, Já me restabeleço um pouco do meu torpôr. Dali saírão pessoas mais capazes de pensar. E quando um homem pensa, que o mesmo é dizer ‘sonha’, o mundo conhece asas. E do conhecimento à experimentação, são dois passos.

Afinal, de Espanha não nos chega apenas a notícia terrível da contaminação dos pepinos. Também nos chega uma esperança. A utopia está viva e vive em madrid, entre outros sítios, numa tenda improvisada, nas puertas del sol. Podemos mandar-lhe um postal e tudo.

Por mim, digo-vos, é com essa esperança que vou votar no domingo.