quinta-feira, janeiro 27, 2011

eleições

As eleições de domingo não trouxeram nada de novo, ou de especialmente novo, como aliás era já de prever.

Ganhou quem era suposto ganhar; perdeu quem era suposto que perdesse, ou seja, ninguém à excepção de Manuel Alegre; portanto, tudo como dantes… quartel-general em Abrantes.

Cavaco Silva ganhou à primeira volta como era seu desejo e o de mais de 50% dos votantes, na presunção (inocente ou indecente) de que essa era a solução que melhor servia a pátria amada e os mercados, as taxas de juro e os ratings. E ganhou, e esta pode ser considerada a ironia maior da vitória, mesmo perdendo 500 mil votos em relação às ultimas eleições.

Manuel Alegre perdeu e assumiu-o na noite eleitoral: a culpa é minha e só minha, disse, enquanto batia com a mão fechada no peito e fazia soar um baque surdo e grave que fez levantar da militância cívica Helena Roseta, bradando que se há derrota ela deve ser assumida por todos e partilhada entre todos. Bonito! O que é facto é que Alegre tinha contra si muitos cabos das tormentas para torcer, é o que é. Ora, por muito forte que um homem seja, nem sempre é possível transformar uma coisa tenebrosa numa outra esperançosa. Às vezes, nem a poesia consegue esse milagre. Aliás, era mais ou menos óbvio que as duas forças políticas que o apoiavam eram tão discrepantes entre si, que dificilmente não deixariam escapar, mesmo que por entre sorrisos seráficos, algum do suor pestífero do puro ódio que nutrem pelo outro, tantas as diferenças com que intimamente divergem, para lá da aliança de areia ocasional. Era difícil que a coisa ficasse assim, nas águas mornas em que a quiseram banhar. Era necessário, como nas visitas parentais, muita produção para manter a criança numa sala, entre a cozinha onde afanosamente se cozinhavam em lume lento os socialistas com memória, e a marquise, onde os bloquistas construíam os coquetails molotof com que sonhavam atingir os cozinheiros do outro lado. Quando entrava na sala um, saía o outro e vice-versa. Assim, estava-se mesmo a ver, não dava.

Nobre, mesmo sem tiro na cabeça, lá conseguiu um resultado histórico. A crer nas suas palavras, e já agora na sua votação, (praticamente a mesma que teve Mário Soares há cinco anos… curioso), ele é o grande vencedor: arrumou com Alegre a um canto, e essa vitória ninguém lhe tira. Soares está vingado.

Defensor de Moura, o histórico presidente de Viana, trouxe para a campanha a polémica que estava vedada a Alegre. Isto terá sido o PS a arquitectar. Mas quem sou eu para afirmar tal coisa. Por isso não afirmo. Na hora da declaração formal, recusou-se a cumprimentar Cavaco. Foi coerente.

Finalmente. Coelho. Esse é que é, na minha modesta opinião, o grande vencedor. Para além de Cristiano Ronaldo e de Alberto João, Coelho deve ser, nesta altura, o madeirense mais conhecido em Portugal. Chega para alguma coisa? Depende da coisa que se almeje. Se é o quintal madeirense, parece pouco. Se é notoriedade, parece suficiente. Pelo menos durante uns tempos. Mas convenhamos, fazer uma campanha eleitoral a bordo de uma carro funerário, ir visitar a polémica casa de Cavaco (curiosamente na urbanização da Coelha… uma casa chamada Gaivota), entrar Palácio de Belém dentro quilatar como é que ‘o outro’ está a gastar o dinheiro de todos, são gestos que ficam e que não estão ao alcance de qualquer um. Não teve o meu voto, mas tenho pena. Quem sabe se da próxima vez…

Finalmente, mesmo com a abstenção galopante, com a confirmação de que os votos brancos não contam (e foram mais de cento e noventa mil… Não contam? Que estupidez é essa?) os políticos continuam a assobiar para o ar, fingem que está tudo bem, e afirmam que a democracia portuguesa segue o seu caminho. Precisam dos votos, mas quantos menos obtêm, mais afirmam a sua telha votofóbica. Querem que nos cheguemos à frente neste jogo democrático, mas não emprestam a bola a ninguém. Vão ficar a jogar sozinhos, é o meu prognóstico. A democracia, seguirá dentro de momentos. Uma democracia ferida, quiçá mesmo, moribunda. Até quando? Um dia destes vamos dar com ela na página da necrologia. Dela se dirá, desconcertantemente, que deixou de fumar.