sexta-feira, outubro 29, 2010

orçamento

O orçamento de estado é, nos tempos que correm, a razão de todas, ou quase todas as discussões.

Dele, apesar de se saberem poucas coisas, se dizem mutas. E mesmo a propósito do que pouco se sabe, se vai opinando com maior ou menor ênfase, na suposição de se saber o suficente. Ora acontece, que a suposição é um mal que se entranha por via oral e quando nos contamina, nunca mais deixa de fazer sentir as suas patas sanguesugas nos nossos eurónios. Por isso, mesmo em relação ao que se se sabe pouco, se opina tanto.

Ainda assim, sabe-se – mercê da imprensa – alguma coisa. Sabe-se que os cortes nos salários dos funcionários públicos, por exemplo, serão consideráveis; sabe-se que IVA vai subir e, subindo este impsto, aumentará o custo de vida. Por outro lado, porque previsivelmente tb irá aumentar o custo do combustível que é sempre uma fonte de receitas estimável, as coisas, todas as coisas, passarão a custar ainda mais. E, portanto, fica duas vezes a vida mais carota…

Na cultura, e mais especificamente, no teatro, chegou o tempo das vacas esqueléticas. Ou melhor, das vacas viradas para dentro. Tão viradas para dentro que quase podem chamar-se anti-vacas.

Na verdade, vacas gordas nunca as houve. Vacas magras, sempre foi o pão nosso de cada dia, salvo seja. Muitas vezes nem vacas havia. O que havia era uma carcacita, e em tempos de festa a vaca estava presente um pouco na manteiga com que se barrava a carcacita. Havia muita vontade, é certo, isso sempre houve, muita capacidade de fazer milagres, o pão multiplicava-se vezes sem conta, o peixe idem aspas, e o vinho, bem, o vinho, do bom, fazia-se a partir da água… e não estávamos em Canaan. Os fazedores de teatro deste pais, pelo menos os fazedores de algum do melhor teatro que se vai fazendo neste pais, são uma espécie de luíses de matos da cena nacional. As vacas, em vez de coelhos, aparecem dentro das cartolas que os actores e encenadores ainda conservam e que usam nestes tempos de crise.

Com o orçamento de estado para o próximo ano, lá vêm mais cortes na cultura. E no teatro, nem se fala. É verdadeiramente escandaloso.

Uma das aleivosias últimas, é a junção numa estrutura lisboeta, do Teatro Nacional São João, um dos derradeiros baluartes da cultura e do teatro portugueses e portuenses. No Porto poderemos talvez considerar, como estruturas congéneres, relevantes e estruturantes, a Fundação de Serralves e a Casa da Música. Com a sua extinção, decretada pelo ministro das finanças ao que julgo saber, e a sua integração numa macro-estrutura alfacinha, perde o Porto e o Norte do país e o teatro, uma estrutura com capacidade organizativa fora de Lisboa e, em parte, fora da lógica centralizadora a castradora do poder. Na OPART, que já servia o Teatro S. Carlos e a Companhia Nacional de Bailado, estruturas (diz-se) super deficitárias e com problemas laborais latentes e (diz-se também) insolúveis, junta-se agora o Teatro D. Maria com a sua irresolubilidade crónica, e o Teatro Nacional S. João, que de todas estas estruturas é a única sem passivo, apesar de programar três espaços, que foram sendo presentes envenenados do Estado a Ricardo Pais, enquanto ele foi o mentor daquela estrutura e que Nuno Carinhas herda e articula artisticamente.

Com a extinção do S. João, dá-se mais uma machadada na descentralização.

É a recentralização em passo acelerado.