sábado, outubro 23, 2010

como sair do fundo da crise

Depois de sessenta e tal dias enfiados nas profundezas da muita terra que os soterrou a seiscentos e vinte metros de profundidade, trinta e três mineiros chilenos conseguiram saír saos e salvos do interior escuro do buraco onde caíram, isto na semana passada, e estar cá fora hoje para contar o que passararm no longo e escuro cativeiro. Na verdade, contar não contam que parece ter havido uma espécie de pacto de silêncio entre eles, sabe-se lá porquê: instinto de defesa ou a promessa de alcavalas na realização de um filme holiudesco.

Mas, siga:

Uma espécie capsula espacial, uma coisa parecida com um supositório guliveriano foi resgatá-los e, um a um, trouxe-os para a superfície daquele corpo imenso que os aprisionara, pequenos liliputianos das profundezas, mas grandes heróis da espera paciente.

Foram recebidos como se heróis fossem, pelo Cavaco lá do sítio, e tudo numa longa recepção que se estentedeu por cerca de vinte e quatro horas, tudo em directo nas televisões, tudo em tempo real para o mundo ver, com os mais altos dirigentes do país a aguentarem estoicamente as horas e os salvamentos, hora a hora, mineiro a mineiro.

Para a pequena-grande história deste salvamento, fica a imagem dos mineiros resgatados de capacete na cabeça, com as luzes dos frontais acesas, os óculos rockstar que os protegiam da luz do sol que não experimentavam há um ror de tempo, e, ah! claro, os fatos que envergavam, fatos especiais – ou espaciais - para resistir à humidade, como se se tivessem vestido para aparecer na televisão, lavadinhos e bem apresentados.

Mas túneis há-os em muitos sítios, tanto faz que seja no chile como seja em portugal. O túnel português, o da crise, parece aliás ser muitíssimo maior e mas profundo que aquele que os trinte e três venceram. Tão grande que para o ano que vem, o governo sócretista prepara uma série de medidas muitíssimo mais radicais que as que no chile levaram ao resgate daquela gente.

O supositório português é da mesma dimensão que o chileno, também enorme e desproporcionado. E também ele, como no caso chileno, há-de ser aplicado individualmente. Só que ao contrário. Em vez de entrar no corpo da crise para resgatar os portugueses um por um, das profundezas orçamentais, há-de é entrar nos portugueses e tratá-los à bruta, cidadão a cidadão, contribuinte a contribuinte.

Para nos irmos habituando, começámos já a usar os apetrechos. Vamos à missa de capacete, como recentemente aconteceu numa igreja de campolide chamada de Santo António. A cabeça há-de habituar-se áqueles volumes plásticos e brancos. E sempre é preferível uma cabeça protegida durante a sesta na homilia, que um galo na mona por alturas do ‘por minha culpa, minha tão grande culpa’.

O rabo nacional é que talvez nem por isso. Não há capacete que lhe valha.