quarta-feira, setembro 01, 2010

o elogio do não-produto

Este Setembro chega cheio de calor, a lembrar o Agosto que já se foi, as férias que, na sua esmagadora maioria, já foram cumpridas, e sabe Deus com que trabalho, que o povo, sabendo das dificuldades que o país atravessa, o que queria mesmo era continuar a labuta, isto para quem labuta, que para os portugueses desempregados – já não falando dos mal empregados – as férias foram coisa que não houve, que a seguir ao desemprego vem sempre o desemprego, excepção feita a alguns que souberam estar na hora e no local certo, ou foram avisados para estar ali àquela hora, ou tiveram a quem recorrer, a chamada discriminação positiva em que somos tão bons, e agora engrossam o grupo dos que recebem pelo trabalho que fazem, (ainda que poucas vezes o salário – em Portugal – coorresponda ao que se produz. Que ainda por cima, é pouco, poucochinho).

Aliás, pelo que vou percebendo, por aqui produz-me quase nada.

Somos mais assim do género do chico-esperto que faz de conta que produz, até parece produzir, mas na volta, nada.

Se não, oiçam esta história.

Um tipo, (português, pois está claro), sei lá porquê, gosta de se barbear com lâmina e, por isso, precisa de, antecipadamente, amaciar a cara com espuma. Por razões que desconheço, o homem gosta de uma espuma especial que apenas é fabricada na América. Não existe em mais nenhum sítio do mundo. Só na América. Aqui, portanto, onde o homem vive, também não há. Bom, aparentemente, eis aqui um conflito. O homem quer uma coisa que não há cá. Que tem de vir de fora. Mas se é só ele a precisar... Então, o que é que o português pensou - como bom chico-eserto que é? Fez reverter uma situação, que lhe era desfavorável, numa outra onde pôde até, para lá de resolver o seu problema, fazer lucro. Pensou: deve haver mais gente como eu, a precisar de coisas que não existem aqui, aqui ou no sítio onde as pessoas estão (e com este simples pensamento alargou todo uma geografia de nogócio), ou que existem de uma forma muito selectiva. Então, criou uma empresa na net, que é onde agora as coisas acontecem, capaz de satisfazer estes pequenos caprichos, e está a resolver or problemas especias de uma data de gente (portugueses e não só) que, de uma maneira selectiva, estão a precisar muito de um produto que apenas é produzido num sítio qualquer esquisito no mundo. No caso, e só para desmistificar esta equação, o tipo usa as pessoas que viajam mundo fora para resolver o problema. Com esta invenção, o chico-esperto português, agora, ganha dinheiro com estas frek-necessidades. É u herói. Mas produziu alguma coisa? Nada. Zero. Nicles.

Deve ser do calor. Estamos a tornar-nos gente incapaz de produzir o que quer que seja. Exepção feita a um punhado de portugueses que continua a saga de fazer o que quase toda a gente acha que é desnecessário. Porque é que nos havemos de cansar a produzir o que quer que seja, se podemos comprar tudo ao estrangeiro e, na esmagadora maioria das vezes, mais barato até do que produziríamos?

Estamos a especializar-nos em matérias tão questionáveis como a dos criadores de necessidades. Somos intermediários. Mas não no espaço de interferência directa com o produto. Não. Na cadeia das coisas paralelas. Nem vemos o produto. Como – lá está - a criação da necessidade. O terceiro, (o terceiro incluído, como na filosofia), é tocado pela necessidade que lhe foi injectada na libido consumista, e procura o produto. Precisa desesperadamente dele. Não sabe para quê, mas precisa. E, raios, o produto não é produzido cá. Isso é que era bom. É importado. Que isso é que importa. O que importa é a margem de lucro. E é nisto que nos estamos a trasformar. Especialistas da não produção. Especialistas no não-produto. Especialistas na desespecialização.

Bem feito.