quinta-feira, julho 29, 2010

salazar

Salazar, o português que os portugueses – num concurso televisivo - quiseram que fosse o maior de todos os tempos, morreu fez terça-feira quarenta anos. O homem e o estadista a quem António Ferro – uma espécie de Goebels do Estado Novo português - construíu uma imagem que ainda hoje perdura no imaginário nacional, (tão sólida, tão credível, tão reconfortante), mesmo com todas as histórias entretanto recolhidas e consabidamente confirmadas, histórias que contrariam tantas das ideias que dele fizémos (quem fez…), imagens eivadas de esplendor patriótico, de sabastianismo serôdio, perdura – apesar de tudo - no nosso imaginário. O trabalhador incansável da nação, o grande líder, o Salvador da pátria, aquele que nos livrou da guerra, o obreiro maior da portugalidade, o poupador da fazenda pública, o homem que deixou os cofres do estado cheios de ouro, o que casou com a pátria, o que se absteve (que se sacrificou, mesmo) de uma vida familiar comum, o trabalhador solitário, inquebrantável no desejo de engrandecer Portugal, o incorruptível, o homem de gostos simples, ainda é a imagem que guardamos de Salazar quando pensamos nele. O homem que, apesar das origens humildes, soube alcandorar-se aos lugares cimeiros da nação. Uma espécie de conto de fadas, mas em versão política, que mantém acesa uma luzinha de esperança a todos os de condição humilde, como ele… E é incrível como, apesar do tanto que entretanto soubemos dele, das suas misérias e dos seus fracassos, ainda haja quem suspire pelo seu regresso, não dele exactamente mas de alguém parecido com ele. Por cada fracasso de Sócrates, um suspiro saúdoso. Por cada calinada cavacal - um homem que se assemelha com ele, em tanto – um desejo irreprimível.

Antes de Kennedy ensinar aos americanos que, a pergunta certa era, não o que a pátria podia fazer por eles, mas o que eles podiam fazer pela pátria, já Salazar em Portugal – sem espaço para perguntas – respondia por todos, defendendo que, aqui, neste cantinho, não se questionava a pátria, não se questionava Deus e a família, os três baluartes que suportavam a política salazarenta. Traduzido em bom português, em português saloio, era o tempo dos três éfes: Fado, Futebol e Fátima. Um país onde o vinho dava de comer a não sei quantos milhões de portugueses, dito assim mesmo nos cartazes da propaganda.

‘Deus Pátria e Famiília’, uma frase que Salazar terá descoberto no colégio em Viseu para onde foi, em estado de professor, contratado em início de carreira. Uma frase bordada num estandarte de seda, de autor brasileiro, a que se juntava uma quarta palavra: Liberdade. Salazar guardou, para o seu discurso politico, três das quatro palavras, e percebemos porquê.

Fez terça-feira quarenta anos que morreu.

Seriamos um país diferente, se em vez de quarenta, tivessemos celebrado oitenta?