sexta-feira, agosto 13, 2010

filmes e políticas

O filme josé&pilar - talvez seja mais correcto chamá-lo assim, filme e não documentário que é o género a cuja família aparentemente ele pertence, ainda que dele divirja, isto a acreditar nas palavras do seu realizador, o português Miguel Gonçalves Mendes - anuncia-se agora, deverá ter uma primeira projecção no festival de documentários de Lisboa, certame chamdo DOCLisboa, a 14 de Outubro, antes de ser estreado normalmente, anuncia-se que em Novembro próximo.

Antes desses avanços, porém, foi possível ao realizador retirar do monumental volume de material não editado ou que ficou fora da edição, tanto e tão fulgurante ele é - 230 horas recolhidas -, alguns pedaços que, editados vagamente, fazer uma antecipação do que deverá ser este fantástico filme e apresentá-la no Brasil, num certame que teve como centro a figura de José Saramago. Aliás, no youtube, e desde a morte do escritor, já há alguns pequenos trechos que deverão constar do filme, e que abrem a porta à obra a estrear.

Deste material, que apenas o autor e alguns, poucos, espectadores conhecem, pouco haverá a dizer. Dizer o quê do que se não viu, do que se desconhece? Apenas podemos especular possibilidades, alimentar hipóteses, consumirmo-nos em expectativas. Conhecendo a obra de Miguel Gonçalves Mendes, o autor do filme e, em especial, um trabalho anterior seu no domínio do documentário, com a personalidade de Mário de Cesariny, as coisas ficam ainda mas apetitosas. Com Autografia, Miguel abriu-nos a porta de uma personalidade basilar e fundamental da cultura poruguesa contemporânea. E terá sido a fulgurância lida no seu filme, a de Cesariny e, sobretudo, a do cineasta, que terá levado Saramago a aceitar a intromissão na sua vida das câmaras de Miguel. Imagina-se que com Saramago (e Pilar) aconteça agora precisamente o mesmo.

Ao abordar esta estreia, neste espaço, quero, sobretudo, falar no que é possível.

Sabe-se que fazer um filme é tarefa cara. Custa muito dinheiro. Antigamente mais ainda, com o custo adicional da película, material elevado à categoria do luxo, que fazia de cada tomada um aperto no coração económico de cada projecto. Com o vídeo as coisas modificaram-se grandemente. Ainda asim, embaratecendo substancialmente o projecto, não o coloca na terra fácil das matemáticas orçamentais. Miguel Gonçalves Mendes filmou durante três anos a vida do casal. Filmou-os em viagem, e parados em casa; nas feiras literárias e em passeios bucólicos à beira mar; em multidão e na solidão do sofá lá de casa; nos sítios mais simples e nos locais mais luxuosos; em Lanzarote e em Lisboa; perto e longe. E praticamente, pelo que sei, a expensas próprias. Ou quase. Terminado o tempo de colheira de imagens, era necesário editá-las. Mesmo que o trabalho tivesse começado ainda em vida do célebre escritor, o seu desaparecimento tornou mais urgente a edição do filme. E ainda que, aquando da tomada de qualquer imagem, talvez já perpasse no olhar do realizador uma possibilidade de edição, muito tempo foi necessário dispensar à tarefa de deixar de fora, material que caberia em tanto cinema, mas não naquele que o autor, naquele preciso momento, e no âmbito daquele preciso projecto, decidiu fazer.

E para que esse tempo de retiro seja possível, é necessário que alguém financie essa ausência.

O estado português, e é aqui que a porca torce o rabo, não foi capaz desse passo. Não esteve disponível, não quis, não emprestou, não financiou, não nada.

Foi, calcule-se, graças às cine-produtoras de Fernando Meireles, o brasileiro que realizara Ensaio Sobre a Cegueira, e a produtora de Pedro Almodôvar, que foi quem se chegou à frente e viabilizou este projecto, que ele agora se presta a estrear.

Ora, isso diz muito sobre um país, e sobre as políticas de cultura, e sobre as prioridades, e sobre as pessoas, ou não diz?

Mas só constatar isto é demasiado pouco. Tem de haver uma maneira de mudar isto. Encontrar, talvez mesmo, um encenador novo para este miserável teatro.