segunda-feira, agosto 02, 2010

funchalices 9

O encontro entre o casal originário dos Açores e o dono do restaurante funchalense, foi educado, mas sem euforias. Nem simpático sequer. Supus, ao adivinhar-lhes o sotaque, que o viesse a ser, por força das óbvias cuplicidades ilhentas. Mas não. Então donde vêm? Vimos desta ilha. Ah muito bonita. É a mais linda de todas. E, então e o que é que vai ser? E ponto final nas diplomacias. O empregado (ou dono) trazia duas listas, uma para ele e outra para ela. Entregou uma delas primeiro à mulher como mandam as boas maneiras e quando ia a entregar a outra ao homem, este recusando-a educadamente, disse: não é preciso, que a patroa é que escolhe.

Ora aí está.

(...)

Noutra mesa, dois nativos comendo. São habituais clientes, penso no princípio da vigilância. Mais do que isso, penso depois. Quase donos. Será possível alguém ser quase dono do que quer que seja? Ou sentir-se isso, o que, para quem vê, vem a dar no mesmo. Uma coisa, neste caso um restaurante, que quase pertença àquelas almas, sentadas à mesa um ao lado do outro, os dois de frente para as brasas onde um belo peixe se vai pintando de cinzento. Um sentado numa cadeira de rodas. O outro não. E bebendo. São os mais populares das redondezas, sem dúvida. O carro da polícia passa e pára. O polícia que conduz abre o vidro da janela e cumprimenta com intimidade. Um dos dois homens responde com uma graça. E o polícia parte, para o giro. Uma mulher grávida atravessa o passeio para vir cumprimentar o que não está na cadeira de rodas e que parece, sentado, muito mais grávido do que ela. Então, quando é a dieta, pergunta ele. Esta semana emagreço, diz ela. Já, torna ele interrogativo. Desta semana não passa, diz ela. Cumprimentos ao paizinho, diz ele. Serão entregues, diz ela. E foi à sua vida.

E depois a conversa resvala e falam de paneleiros, assim chamados com todas as letras. Deste e daquele. Deste que engana a mulher – e tem nome... Armando - fazendo vida dupla com homens. Daquele que já deixou a mulher para se juntar com outro paneleiro como ele. E riem. E fazem graça com os paneleiros que por aí andam a ganhar – e muito bem – a vida. Aparentemente, tudo gente com visibilidade na ilha. Eu é que não os conheço. E eles sabem. Olaré. Por isso é que falam à vontade. Bilharices (uma palavra que aprendi). Pudera. Na mesa ao lado da minha, estão uns holandeses, muito mais interessados em traduzir um pargo imenso que quase não lhes cabe nos pratos; está um casal de espanhóis que tem umas espetadas mistas enormes para vencer; e o casal açoreano a comer sardinhas. Tudo línguas incompreensíveis.

Nisto chegam uns brasileiros. A Catarina está? O da cadeira de rodas pergunta: que Catarina? A Catarina, diz um dos brasileiros. E clarifica: a bailarina. Ah!, diz o homem grávido, é a filha dele. E com o nariz indica o homem da cadeira de rodas. Ela não está. Foi fazer já não sei o quê. Quer dizer, ele sabia, eu é que não me lembro. Mas era mesmo por sua causa que eu passei por aqui, diz o brasileiro a medir-lhe a cadeira. E continuou: diga-lhe que já arranjámos uma cadeira ‘legal’. Pelos vistos é para si. E como quem não acredita, perguntou: Quer dançar na festa da Catarina, é? O outro ficou possuído. Porquê? Acha que não posso? Eu danço muito bem da cintura para cima. E exemplificou: cidade maravilhosa / cheia de encantos mil / cidade maravilhosa / coração do meu Brasil. Os braços, como que possuídos, acima da cabeça eram aviões desgovernados.

Eu peço a conta e vou à minha vida.