quarta-feira, agosto 04, 2010

um pouco mais de antónio

Hoje é o sexto dia sem o António Feio.

Uma luta heróica contra uma doença que mata, uma doença assassina que ele assumiu com uma coragem impossível, engrandeceram-no a meus olhos, muito para além da consideração que já tinha por ele, e que era tanta tanta, que não cabe aqui a sua grandeza.

O António, entre tantas virtudes, foi capaz de nos fazer acreditar que era capaz de vencer a doença, que a vitória era possível, quase uma inevitabilidade, apesar de todos os dados de que dispúnhamos nos sussurrarem exactamente o contrário. E pouco a pouco fomos aceditando que a vitória surgiria por fim, e que a doença, traidora, haveria de ceder, que “ela não sabia com quem se tinha metido”.

Recordo muito bem o dia em que soube da doença de que padecia.

Nos momentos seguintes procurei saber do que se tratava. Verifiquei o quão complicada e definitiva ela era. Como o caso se afigurasse difícil e dramaticamente definitivo, enviei-lhe uma mensagem. Respondeu-me que não me preocupasse, que estava bem. Que era maior o susto que a consequência e que ele saberia dar a volta ao problema. E eu acreditei. E continuei a acreditar à medida que o tempo passava. Até que os sinais dos tratamentos começaram a ser visíveis, o corpo se cansou e, sobretudo, o tempo – a derradeira esperança - não anunciou as notícias que se precisavam.

O António era, não apenas um homem de teatro notável, mas muito mais importante que isso, era um homem notável. Conheci-o em circunstâncias profissionais.

(Este encontro é mais uma das coisas boas que me aconteceram graças ao teatro e que, sem a sua preseça, não teriam acontecido jamais.)

Privámos durante uma boa temporada, no Porto. Um espectáculo cheio de peripécias e vicissitudes que nos aproximou de uma forma definitiva. Senti a sua protecção nesse momento. Eu era um ‘puto já homem’ incapaz de lidar com o desconforto da contrariedade que estava para lá da humanidade inconsequente, para lá da saúde. E ele, sábio, percebeu a minha patética fragilidade e foi o irmão mais velho que não tive, dando-me protecção e importância.

Aprendi a admirá-lo, não apenas profissionalmente, mas também no plano pessoal, afectivo. Se já conhecia, de gingeira, a qualidade do artista, passei a admirar-lhe a dimensão da sua humanidade. Era um homem bom, capaz dos gestos mais invulgares, pelo amigo em dificuldades. Capaz de estimular o companheiro mais novo e de confortar o mais antigo, com o mesmo grau de prontidão. Quando podia ser a estrela, era o operário.

Por isso, mas por tanto tanto mais, guardá-lo-ei no meu coração.

Hoje, como desde há seis dias, sei que sou um pouco mais António.