quinta-feira, janeiro 20, 2011

grupos, grupinhos e sociedades secretas

Integro, (desde que frequento regularmente - e durante não sei que período - sessões de fisioterapia), o grupo de pessoas a quem as outras pessoas desejam, no momento da despedida, ‘as melhoras’.

E este afago à despedida faz-nos mais próximos. Ficamos mais quentinhos com esta festinha no lombo emocional. Basta um ‘as melhoras’ e ficamos logo melhorzinhos. ‘As melhoras’ é das tais coisas que não enganam. Se fossemos olhar à expressão de uma forma mais cerimoniosa, com pinças, concluiríamos que lhe falta complemento. Melhoras de quê? Melhoras para quê? Para quem? Mas dito assim, só ‘as melhoras’ a duvida cai, tudo se resolve na irresolução da expressão. Trata-se daquilo que mais valioso temos: a saudinha, olaré. Mesmo que soframos de um mal leva, coisa pouca, poucachinha, ainda assim temos direito ‘às melhoras’. E eu sinto-me também na obrigação de as desejar àqueles com quem me cruzo quando caminho para a porta.

Esta sensação de pertença deve ser parecida com a que experimentam os integrantes de gangues. Estamos no mesmo barco, entregues às mesmas ondas.

Eu já pertencia a uns quantos grupos. Não se pode por isso dizer que seja um desajustado social. Já integrava o grupo dos que, sentados à mesa de determinados cafés e a determinada hora do dia, sem perguntas, lhes é entregue a receita diária do que quer que seja. Noutros cafés, com empregados mais faladores, a coisa chama-se ‘o costume’. É o costume? É. Que seja, pois. Fica mais fácil a comunicação, mais rápida, sem conversas de circunstância. Afinal o tempo está mau há não sei quanto tempo, ou está frio até vir o homem da fava rica, e por isso não vale a pena perder mais saliva com tamanho defunto. Venha ‘o costume’ e não se fala mais nisso. Nem nisso nem em nada mais. ‘O costume’ tem também a vantagem acrescida de ter um preço constante. De um modo geral, deixamos o dinheiro contadinho em cima da mesa, e vamos à nossa vida. O empregado há-de chegar depois de nós sairmos, pegará no dinheiro e, sem o contar, entorná-lo-à na bandeja junto da loiça que levantou também, e correrá a preparar ‘o costume’ de outro cliente que acabou de entrar no café e já começou a ler o jornal. Um ‘costume’ diferente, mas ainda assim ‘o costume’. Claro que ‘o costume’ numa tasca qualquer não se equivale a’o costume’ num sítio fino, caro e de excelência. Aí ‘o costume’ é uma coisa de estatuto, integra mas por alto.

Há ainda um grupo, onde ninguém se integra mas onde acontece sermos integrados: é o grupo do ‘coitadinho’. Por isto ou por aquilo, as pessoas falando deste ou daquele, dizem que, ‘coitadinho’, tem isto ou aquilo. É uma espécie de sociedade secreta e admito que possa pertencer, nalgumas conversas, a esse grupo. Mas como é secreta, não sei. E mesmo se soubesse, lá está, não dizia.

Eu sinto-me mais realizado por pertencer, pelo menos, aos dois primeiros grupos, porque, para além do mais, consigo fundi-los num mesmo gesto. Chego à clínica para a ‘costumada’ sova matinal (uma sova aplicada quase sem conversa, só esforço) e despeço-me com ‘as melhoras’.

Estou integrado. Quer dizer: bi-integrado. Ou tri. Vá lá saber-se o segredo.