quarta-feira, dezembro 21, 2011

A democracia degrada-se a cada hora que passa, e nós, pasme-se, que pensamos que todos os rombos que a democracia, por alguma razão, possa sofrer, serão sempre ressarcidos com as sulfamidas das petições públicas, desdobramo-nos nelas, às carradas, para isto e para aquilo, como se delas dependesse o nosso bem, como se elas fossem o paleativo de todas as feridas que acontecem no nosso corpo individual e social.

Se ameaçam fechar-nos o hospital, petição.

Se a autarquia anuncia que vai aumentar a taxa do lixo, petição.

Se o nosso padeiro, em articulação com os padeiros de todo o mundo, cola um papel mal amanhado na montra da loja, anunciando que o preço do pão vai subir um poucochinho, petição.

Se se diz no facebock que aquele cão vai ser abatido, petição.

Mas as petições não podem ser o norte ou o sul da nossa indignação, da nossa revolta. Ou pelo menos, não deviam ser.

Esquecemo-nos do que vale a indignação a sério, à antiga, quando generosamente oferecíamos uma gotinha do nosso sangue para animar a indignação geral. Agora a coisa, já só vai lá com a imolação de alguém, pelo fogo ou de uma outra forma qualquer, no meio da principal praça do lugar. As ideias que enviamos, como se fossem de pedra, como se fossem pedradas, contra os narizes dos antipeticionários, dos que contrariam as petições, dos que estão do outro lado do nosso mundo, não servem para coisíssima nenhuma. São palavras que lhes entram por um ouvido – no caso, por um olho – e lhes saiem pelo outro. Ou nem sequer entram, que é o mais certo, senão ainda deixariam um rasto de qualquer coisa, tinta de impressora ou saliva, que nalguns casos é bem pior que ácido.

E seja lá por que for - também por preguiça, eu sei, mas não só por isso - dou por mim a apagar as mensagens que sugerem esta ou aquela assinatura, para resolver (ou revelar) este ou aquele problema. Porque eu sei, espertinho, que o mal maior está a montante.

E isso, caramba, ficou tão claro, agora, com esta crise grega. Mal Coelho lá do sítio se lembrou que a Grécia e o seu povo, a pátria da democracia provavelmente popular – se bem que, se calhar, nem era assim tão popular… - deveria ser ouvida em referendo para avalizar uma medida que pode hipotecar irremediavelmente a soberania de uma das mais antigas nações do mundo, foi um ‘ai jasus’.

Fizeram-lhe a cama. Em grego. Irremediavelmente. O homem foi substituído por outro – que nestas coisas de governos e governantes, há sempre quem esteja disponível para pegar na tocha, há sempre alguém na lista de espera da sucessão – o referendo será coisa de que não se falará mais e, eleições então, sera coisa para esquecer. Só com tudo muito bem estabilizado, que quer dizer, tudo muito bem controladinho.

Aqui no burgo, e com todo o respeito, para legalizar a interrupção voluntária da gravidez ainda se conseguiu convencê-los a fazer o abençoado referendo. Mas as voltas que todos já deram para reverter a situação. Agora para referendar a interrupção voluntária da escravidão europeia, é que é o diabo.

O patrão não deixa.

Pois, como eu o entendo.