segunda-feira, fevereiro 13, 2012

dia da rádio

A invenção da Rádio, quisesse ela ser o que quisesse quando a inventaram, ou os que a inventaram e desenvolveram almejassem o que quisessem, aproximou as pessoas, tornou o mundo um pouco mais pequeno. As coisas passaram a poder ser ditas muito mais no hall do ouvido, que gritadas para longe, para o quintal do coração. As palavras, que é delas que me faço parte interessada, puderam ser vertidas aqui mesmo, no funil do ouvido e, por ele, na bacia da alma, largo lago de emoções, informadas ou não, onde se espelham os reflexos dos tempos que vamos vivendo, história e memória de braço dado.

E porque a Rádio é algo que fala aos homens, pode ser por isso um instrumento do social, algo que combate as solidões, as que matam e as que móem, que narra o mundo (pois claro), mas também que o explica, desmistifica, pulveriza, é uma ferramenta que apetece controlar, porque controlando-a, controla-se a vontade do homem e, por ela, o seu destino. Por isso é perigosa a língua da Rádio, que a perversidade do homem e a sua ganância endógena, de tudo se serve para tirar desforço, proveito e riqueza material. Onde, num primeiro impulso – se é que o houve – estava a pessoa humana e a sua dignidade, num segundo momento surgiu a perversão. E embrulhada na bandeira da liberdade e da democracia, emergiu a manipulação, que não precisava dessas bandeiras para ser o que é, hipocrisia em estado social.

Num plano ideal, a Rádio deveria ser só isto, espaço de liberdade, coisa plural, das minorias, que de alguma forma pudesse ser equilibrador das vozes que se manifestam e das que não têm espaço de afirmação, das músicas que se ouvem menos, mas também das que se ouvem mais, porque umas não existem – no plano da definição – sem as outras.

Num determinado momento da sua afirmação pública, recordo com saúdade os tempos em que na Rádio se contavam histórias. Com o avançar do estilhaçar das narrativas, as histórias contadas foram sendo desconstruídas, caíram em desuso canónico, desusaram-se, desistiram ou foram sendo demitidas do espaço de antena. Lembro-me e refiro-me, por exemplo, às novelas radiofónicas, coisa talvez picuinhas, paroquial, rosa pobre, arquelogia do detrito que hoje nos deprime, mas que tinha esse condão de unir os agregados habitacionais (dito de forma politicamente correcto, as famílias), inventava-lhes um horário e uma rotina, e todos sabemos como o rigor - do horário para cumprir, por exemplo - é um magnífico – digo eu – instrumento para a educação e a pedagogia.

Das novelas ao teatro radiofónico foi um passo. Ou um repasso, porque não sei qual terá sido a primeira manifestação desta tendência narrativa.

Recordo com saúdade os tempos em que se podia ouvir na telefonia uma peça de teatro. E recordo que alguns dos maiores vultos da literatura, dramática ou não, escreveram para ser lidos na Rádio e, por ela, para serem ouvidos em casa.

Há poucos dias, tive um contacto imprevisto à porta dum teatro, com um dos velhos vozeirões da nossa Rádio, mais precisamente do Rádio Clube Português, e dos tempos em que eu, criança, - há quanto tempo isso foi… - era assíduo ouvinte dos Parodiantes de Lisboa. Pois à saída de um teatro, num friorento domingo à tarde, um desses homens cuja voz nunca esqueci mas cujo rosto nunca até então conhecera, esperou-me para, no correr da conversa, se confessar um velho parodiante e as saúdades dos tempos que não voltarão. E eu liguei, por fim, a voz ao rosto e saúdei-o pelas inexplicáveis memórias de que sou contentor.

A Rádio é, para mim, esta voz sem rosto, este equilibrio desiquilibrado, esta humildade de se ser apenas pela metade. Mas uma metade que chega, que nos preenche, que nos basta para sermos um pouco mais felizes. Felizes interna e inteiramente. Mais felizes porque há a radio.